Ambiente: Petrobrás descontamina vazamento com micróbios

O segundo maior derramamento de petróleo do País, ocorrido na Repar em 2000, está na fase final de remediação utilizando bactérias e fungos como despoluidores

Química e Derivados: Ambiente: Desvio no arroio da mata contaminada permitiu biorremediação.
Desvio no arroio da mata contaminada permitiu biorremediação.

Como ocorre no meio científico, no qual muitos desenvolvimentos tecnológicos nascem de modo aleatório, um acidente industrial de grande repercussão no País possibilitou nos últimos anos a criação de uma tecnologia de biorremediação de solos genuinamente brasileira. Para combater o vazamento de 4 milhões de litros de petróleo na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária-PR, ocorrido em 16 de julho de 2000, a Petrobrás conseguiu criar uma técnica própria de descontaminação de hidrocarbonetos baseada na fomentação de microrganismos degradadores presentes no próprio solo.

O projeto biorremediador, na verdade, é um dos polimentos finais da remediação em curso e visa remover “apenas” 96 mil litros de petróleo retidos no solo de uma área de 15 hectares, entre o local do vazamento e o Rio Barigüi, afluente do Iguaçu.

O grosso do derramamento, considerado o maior ocorrido em rio no Brasil, foi removido fisicamente em três meses. Para começar, dos 4 milhões de litros, cerca de 20% (570 mil) evaporou nos primeiros dias. Nos três meses seguintes, por volta de 1,3 milhão de litros foi retirado dos rios Barigüi e Iguaçu, e em suas margens, ao longo de 65 km, com mantas absorventes e barreiras flutuantes para conter o avanço da mancha.

Dos 2,7 milhões retidos na área interna da Petrobrás, a maior parte foi recuperada de imediato por bombas a vácuo e manualmente por uma equipe de 2.700 pessoas. Restaram 132 mil litros de petróleo no solo, dos quais quase todos os 36 mil em fase livre foram removidos pelo lençol freático superior (a menos de 1 metro da superfície) por meio de um sistema de canalização que arrasta o óleo do fluxo subterrâneo para separadores. Portanto, apenas os 96 mil litros restantes desse óleo, agregados no solo da floresta nativa local, inspiraram o emprego da biorremediação.

Química e Derivados: Ambiente: Fonte - Petrobrás.Acaso premeditado – O acaso no desenvolvimento da biorremediação, porém, tem a ver apenas com a forma pela qual a estatal do petróleo resolveu dominar a tecnologia, ou seja, para sanear o grave acidente que atingiu o Rio Iguaçu. Isso porque, antes de iniciar o processo microbiológico em várias áreas contaminadas pelo vazamento, a empresa já operava com a biorremediação para tratar parte dos resíduos oleosos gerados pela estação de tratamento de efluentes da refinaria. Em conjunto a uma área imensa de landfarming, desde meados da década de 90 a Repar mantém seis terrenos monitorados para as colônias de fungos e bactérias acelerarem a degradação dos resíduos.

Química e Derivados: Ambiente: ambiente_2.A diferenciação entre o landfarming e a biorremediação é importante para compreender o processo hoje utilizado em Araucária. A primeira técnica, muito comum em refinarias, objetiva apenas dispor o resíduo em terrenos, condenando o local a uma quarentena de pelo menos 120 anos, mas sob controle rígido do teor de metais pesados de modo a evitar a contaminação do lençol freático. Já a biorremediação, de acordo com as legislações ambientais mais avançadas, como a da Holanda, só é reconhecida como tal se recuperar o solo integralmente e para o padrão agrícola de fertilidade. Foi seguindo esta definição que a Repar iniciou seu projeto complementar de tratamento de resíduos e que depois foi transportado para o combate das seqüelas do vazamento.

Essa experiência anterior ao acidente fez os técnicos de meio ambiente da Petrobrás, e uma empresa de consultoria canadense (Hidrogéo) contratada para coordenar a remediação, resolverem testar a viabilidade da biorremediação. “Para avaliar a biodegradabilidade do óleo derramado no solo, fizemos ensaios de laboratório para descobrir a toxicidade, o teor de metal pesado e de respiração do solo (a ação dos microrganismos), entre outras análises, e assim poder definir uma dosagem adequada de fungos e bactérias”, explica o coordenador de meio ambiente da estatal, Ernani Zamberlan.

Ultra-rápido – Os testes revelaram que a baixa toxicidade e o pequeno percentual de metal pesado do óleo leve derramado (tipo colombiano) influíram pouco na atividade microbiana do terreno afetado, estimulando ainda mais a biorremediação. A primeira medida, então, foi utilizar uma das áreas contaminadas como palco de experiência piloto. A escolha, em outubro de 2000, recaiu sobre o terreno de 700 metros quadrados situado ao lado da tubulação onde ocorreu o vazamento, denominado de sub-área 1.

Esse terreno foi considerado de média contaminação, por ter na época nível de TPH (total de hidrocarbonetos de petróleo) entre 10.000 e 30.000 microgramas (µg) por grama de solo. Após 70 dias de inoculação com os microrganismos, o local mostrou-se satisfatoriamente recuperado, com uma expectativa de aceleração da biodegradação do óleo de 272%, ou seja, quase dez vezes mais rápida do que a remediação natural do solo. Nesse período de teste, o índice de TPH da sub-área 1 caiu para 3.723 µg/g de solo, inferior ao considerado pela norma holandesa (Dutch Reference Framework STI – Values) como medida de solo contaminado e passível de intervenção. O limite batavo é de 5 mil µg/g de solo.

“Essa constatação viabilizou a biorremediação por todas as áreas com contaminação alta e média”, lembra o coordenador da remediação do vazamento, Fernando Henrique Falkiewicz. Da área total contaminada de 129.450 metros quadrados, 58 mil m² foram classificadas como de contaminação alta (TPH acima de 30 mil µg/g) e 70.050 m² como média contaminação (entre 10 mil e 30 mil µg/g).

Química e Derivados: Ambiente: Fernando Henrique - daqui a um ano, a área estará limpa. ©
Fernando Henrique – daqui a um ano, a área estará limpa.

Divididas em 12 sub-áreas, o nível de TPH delas variou de 5.394 µg/g a 92.941 µg/g de solo. Todos esses níveis de contaminação, pelas normas internacionais (com exceção da americana, que admite solos com 10 mil µg/g), demandam remediação.

Com as 12 sub-áreas definidas (ver mapa pág. 13), as apropriadas para a biorremediação foram as de 1 a 9, com exceção da 4. Esta última sub-área passou apenas a ser controlada para verificação da chamada biorremediação natural e assim atestar a degradação pelos microrganismos. Já nas últimas sub-áreas (10, 11 e 12), por se constituírem basicamente por banhados (terras úmidas), não foi possível a inoculação, que demanda terrenos secos para a aplicação. A saída aí foi desenvolver o sistema wetland, que consiste em inundar mais ainda a área e represá-la com pequenos diques, para ativar a degradação por meio de vários fatores da natureza: a ação dos microrganismos, das algas, do vento e até de raízes leves de plantas, que também degradam os hidrocarbonetos. De acordo com o coordenador Falkiewicz, este projeto fez a grande massa de óleo nesses banhados, avaliada em 40 mil litros logo após o acidente, baixar para concentrações irrisórias, da ordem de ppb (partes por bilhão).

Já as oito áreas sob biorremediação passam por procedimentos comuns entre elas. A população microbiana se desenvolve pela chamada bioaumentação. Isso é feito pela inoculação de fungos e bactérias autóctones (do solo local) desenvolvidos nas áreas de biorremediação dos resíduos. Essa terra, contendo esses organismos devidamente preparados por meio de controle nutritivo a degradar o óleo, é peneirada em malha de 10 mm e armazenada em big-bags. Depois do preparo, o inóculo é espalhado nas áreas contaminadas pelo óleo por um trator agrícola de grade aradora, cujo procedimento se repete a cada 15 dias.

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Química e Derivados: Ambiente: Zamberlan - ensaios definiram a dosagem mais adequada.
Zamberlan – ensaios definiram a dosagem mais adequada.

Patenteamento – Conforme explica o coordenador Ernani Zamberlan, o projeto em si é tecnologia de domínio público, tem seu fundamento no considerado na atualidade como a melhor forma de biorremediação: a bioaumentação de populações microbianas locais (autóctones), em detrimento do uso de bactérias de outros ecossistemas (alóctones). Segundo ele, o diferencial da tecnologia desenvolvida pela Petrobrás, em processo de patenteamento e cujas pesquisas contaram com o suporte de várias universidades do Sul do País, é o uso de fungos (hidrocarbonoclásticos) e o monitoramento do ambiente.

No caso do emprego de fungos em complemento às bactérias, Zamberlan afirma que em virtude dessa combinação a Petrobrás conseguiu bater um recorde mundial de biorremediação de solos contaminados por hidrocarbonetos: “Conseguimos índices de eficiência até seis vezes maiores do que o usual no mundo”, diz. Mas a outra parte essencial para chegar a esses resultados é o monitoramento das áreas sob tratamento.

Para manter os locais propícios, o primeiro desafio foi o mais complexo. Da mesma forma que a umidade das áreas de banhados impossibilitou a biorremediação, um pequeno córrego (arroio) que passava pelas demais sub-áreas contaminadas também seria outro fator complicador. A solução foi fazer um desvio de 600 metros no arroio para tornar os terrenos mais secos e possibilitar o tratamento. Depois que a biorremediação se completar, o plano é desfazer esse desvio, deixando o fluxo voltar à normalidade naturalmente.

Química e Derivados: Ambiente: A área de banhado um mês depois do vazamento - 40 m3 de óleo...
A área de banhado um mês depois do vazamento – 40 m3 de óleo…

Além do controle sobre a umidade, há outros cuidados fundamentais. Em primeiro lugar, o pH precisa ser mantido entre 5,5 e 6, faixa ideal para o predomínio das bactérias heterotróficas e dos fungos hidrocarbonoclásticos. Quando há queda do pH, em razão dos subprodutos ácidos da biodegradação, deve ser feita a correção no solo com dosagem de cal. Além desse controle laboratorial, outros são realizados para manter dentro de padrões adequados as taxas de aplicação do inóculo, que variam conforme a população microbiana de cada área, da aeração necessária e da umidade do terreno.

Esses cuidados técnicos têm surtido efeito nos indicadores da biorremediação, cujas análises são acompanhadas pelo órgão ambiental paranaense, o IAP (Instituto Ambiental do Paraná). “Há vários locais em que o nível de TPH está na faixa de 3 mil microgramas por grama de solo”, comemora Fernando Falkiewicz. Para ele, uma prova da eficiência do projeto é a queda na curva do

Química e Derivados: Ambiente: ...e o mesmo local na atualidade - wetland reduziu óleo para nível de ppb.
…e o mesmo local na atualidade – wetland reduziu óleo para nível de ppb.

gráfico de TPH das áreas tratadas, em contrapartida à elevação, logo após a inoculação, da curva de produção de gás carbônico, que demonstra o aumento de respiração dos fungos e bactérias em virtude da biodegradação acelerada. Os resultados positivos indicam para um prazo de conclusão dos trabalhos bastante curto: em mais um ano, segundo Falkiewicz, a área estará remediada.

A tecnologia de biorremediação desenvolvida será comercializada pela Petrobrás no Brasil por meio de parceria com empresa local de remediação (Ecosorb) e até no exterior, pela intervenção de alguma empresa estrangeira ainda não definida. O novo negócio poderá gerar um novo faturamento para a estatal e parceiros. Mas, pelo menos de início, não será o suficiente para amortizar os R$ 85 milhões gastos com a multa paga ao IAP e o projeto de descontaminação de Araucária.

Erro humano causou acidente

Maior derramamento de óleo em rio do Brasil e o segundo se comparado aos marítimos (perdendo apenas para o vazamento de 6 milhões de litros do navio Tarik, em 1974,  na Baía de Guanabara), o acidente de Araucária foi fruto de falha humana. Esta, pelo menos, foi a conclusão interna da Petrobrás, o que aliás não serviu de atenuante do ponto d

Química e Derivados: Ambiente: O scraper onde ocorreu o vazamento.
O scraper onde ocorreu o vazamento.

e vista do órgão ambiental paranaense, que multou a estatal em R$ 50 milhões (pagos com desconto) e a obrigou a fazer a remediação e a monitorar o ambiente afetado.

O descuido dos operários foi não dar o comando de abrir a válvula de um dos tanques-reservatório que recebem parte do 1,5 milhão de litros de óleo/hora do duto de 120 km que liga a Repar ao Porto de São Francisco do Sul-SC.

A válvula de pé-de-tanque fechada fez o fluxo do óleo voltar em direção ao scraper (estação de recebimento do óleo) e provocar um aumento brusco de pressão, rompendo uma junta de expansão do oeloduto com diâmetro de 25 centímetros.

Após perceber o erro, os operadores deram o comando de abrir a válvula, o que naquele instante foi até pior, pois o montante de petróleo já armazenado no tanque também retornou ao ponto da junta rompida, aumentando o vazamento. O pior de tudo foi que os responsáveis só perceberam o rompimento duas horas depois, apesar de a tela da sala de controle haver demonstrado o descompasso entre o enchimento do tanque e o total bombeado em São Francisco do Sul. Ao notarem a falha, já era tarde: 4 milhões de litros já escorriam mata adentro em direção ao Rio Barigüi.

Os dois responsáveis pelo acidente, embora concursados pela Petrobrás, foram demitidos e depois reintegrados à empresa por decisão judicial. Mas, por precaução, mantêm-se afastados das funções de processo.

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