Ambiente: Pesquisa gaúcha desenvolve absorvente natural de óleo
A macrófita Salvinia herzogi nasce e cresce como praga nos manguezais e lagoas do Sul do Brasil e constitui alternativa barata e eficaz na absorção de resíduos industriais, limpeza de efluentes, óleo vazado nos mares, banhados, em áreas de refinarias e para a descontaminação por metais pesados. Os estudos sobre as propriedades químicas do aguapé foram demonstrados nas diversas análises das equipes de mestrado e doutorado coordenadas pelo PhD Jorge Rubio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Rubio e seus pares começaram a pesquisar as propriedades esponjosas da Salvínia no Laboratório de Tecnologia Ambiental e Mineral da Ufrgs, o LTM,a partir de 1993, coletando os aguapés de um banhado do campus. De lá para cá, a macrófita mudou de vida. Passou a ser cultivada numa área de 140 hectares, em meio às plantações próximas a Osório, no litoral norte gaúcho. Recebeu ainda um registro comercial: Supersorb-BR.
Atualmente, depois de passar por enxágüe e secagem em estufas plásticas, é granulada cuidadosamente e vendida como biomassa por Alencastro, Kallfelz & Cia Ltda. Diversas empresas gaúchas estão utilizando o produto, entre as quais um fabricante de ônibus e uma montadora de máquinas agrícolas. A Gerasul, geradora de energia elétrica, emprega o Supersorb-BR na retirada do barro da água que alimenta as turbinas de sua usina na cidade de Charqueadas.
Quanto às formas de aplicação, no caso de derramamentos localizados ou vazamentos de pequena monta, a Kallfelz recomenda a contenção por almofadas absorventes para facilitar o manuseio do material. No meio aquático, o uso de barreiras tubulares apresenta melhor performance. As barreiras podem ser conectadas através de mecanismos de engate rápido, o que as tornam flexíveis para confinamentos de pequenas ou longas extensões.
Na contenção de vazamentos industriais, em máquinas longas ou superfícies maiores, o fabricante também recomenda a utilização de barreiras tubulares. Na remoção de metais pesados, o Supersorb-BR pode ser aplicado através do uso de colunas de percolação, que consiste em um cilindro preenchido com o produto. O efluente passa pelo reator no sentido ascendente, de forma a produzir um pequeno grau de fluidização no meio.
Pesquisa – O interesse do engenheiro Carlos Alberto Kallfelz pela industrialização da Salvínia como descontaminante surgiu ao final dos anos 90, quando ele cursava o mestrado em controle ambiental na UFRGS e conheceu as pesquisas da equipe de Rubio. Com a criação da Kallfelz, a empresa e a Universidade acordaram um sistema de parceria pelo qual a instituição disponibilizou o LTM para que o empresário finalizasse as pesquisas. Em 1999, foram realizados os ensaios finais com contaminantes ambientais (basicamente óleos e demais hidrocarbonetos, soluções orgânicas, produtos químicos e metais pesados). Em dezembro de 2000, o Supersorb-BR passou a ser cultivado e testado em escala industrial. No ano seguinte, o produto passou a ser oferecido ao mercado.

Para Jorge Rubio, o diferencial da pesquisa de sua equipe, com relação às outras tentativas de usar a macrófita para tratar rejeitos industriais, é que as experiências anteriores eram feitas com plantas vivas, enquanto a Salvínia mostrou todo seu potencial já sem vida, na forma de biomassa. As análises, conforme Rubio, incluíram a remoção de óleos, espumas e corantes em efluentes, incluindo a caracterização física, química e físico-química do sorvente, empregado in natura, sob a forma de filtros ou em colunas de leito fixo e fluxo ascendente.
Rubio explica que a capacidade de sorção-filtração foi descrita pelas curvas de saturação (breakthrough), sendo que os resultados foram comparados com um sorvente comercial, Peatsorb (turfa), de origem canadense, empregado na sorção de óleos. Conforme as análises, curvas breakthrough para os filtros de salvínia apresentaram valores limite de capacidade de separação para 1 g de biomassa de 66 mg de azul de metileno (AM), 1,26 g de petróleo e 0,37 g de tensoativo.
A análise mostrou que a estrutura celular da biomassa após secagem não liberou os materiais por ele absorvidos e, por ser hidrorrepelente, se manteve flutuando enquanto absorvia óleos sobre superfícies líquidas. O produto natural seco apresentou uma alta área superficial, o que permitiu elevada capacidade de acumulação de solutos. Esta característica decorre da necessidade de plantas específicas em remover da água seus nutrientes, sendo em alguns casos removidos pelas folhas, e em outros, pelas raízes. A elevada porosidade, combinada com a propriedade hidrofóbica, pela presença de cera nos pelos das folhas, e uma elevada densidade de grupos superficiais negativos, conferem ao produto condições de sorção únicas.
A propriedade altamente hidrofóbica, somada à elevada porosidade, desenvolve uma força capilar no sentido da adsorção de óleos. As análises comprovaram ainda que os grupos superficiais negativos, tipo carboxila, responsáveis pelas reações de troca iônica com os cátions do meio aquoso, desenvolveram a capacidade do produto reagir e fixar metais pesados. O tecido vegetal, com alta área superficial e com grandes poros, adsorve corantes orgânicos por mecanismos físico-químicos, de uma maneira semelhante a do carvão ativado. Por ser um produto natural, não oferece riscos ao meio ambiente, nem no manuseio, sendo este extremamente fácil devido ao seu pouco peso. A aplicação é simples, não exigindo pessoal técnico ou gastos com equipamentos especiais. A adsorção envolve a acumulação entre fases ou a concentração de substâncias em uma superfície ou interface de grande área específica e afinidade física entre a superfície do material sorvente e o sorvato.
Na absorção, a operação de remoção de óleo, por exemplo, ocorre basicamente por ação de capilaridade, ou mecanismo de sucção no combate de acidentes por derramamento de óleo, sendo aplicado de maneira muito simples, com o produto a granel sendo espalhado sobre a mancha, e removido após a completa absorção. Se a quantidade de óleo for grande, repete-se a operação, até o local apresentar-se completamente limpo. Após um tempo de operação, o produto fica carregado com metais pesados.
O processo apresentou viabilidade no polimento final de efluentes de mineração e de indústrias metalúrgicas, que contêm concentrações residuais de metais pesados, bem como em indústrias do couro, com seus efluentes com eventuais resíduos de cromo. Emprega-se também como material adsorvente no tratamento de águas contaminadas com corantes, como em efluentes de indústria têxtil, efluentes de lavanderias e efluentes de tingimento de ágatas. Experimentos realizados com rodamina azuis de metileno, verde brilhante e cristal violeta, resultaram em sucesso na remoção destes corantes.
“Dentre os elementos prejudiciais ao ambiente, os compostos orgânicos representam uma importante parcela dos contaminantes, quer seja em recursos hídricos, acarretando danos em cursos de água, quer seja em solos, causados por derramamentos acidentais, em transporte, manuseio ou rompimento de tanques”, afirma Carlos Alberto Kallfelz. Ele observa que o mercado de produtos capazes de controlar esses acidentes é dominado por produtos importados, provenientes, em sua maioria, do Canadá, EUA e da Europa. “O Supersorb-BR atua em terra ou em água, é fácil de usar, seguro, extremamente leve e atóxico, além de sair bem mais em conta”, garante o empresário.
Segundo Kallfelz, após a aplicação sobre superfícies secas, é de fácil remoção, bastando varrer ou remover com uma pá. Sobre superfícies líquidas é recolhido com ajuda de peneira ou pá. Após o uso, deverá ser descartado conforme a legislação local. Depois de ter absorvido óleos, o material pode servir como combustível em geradores de calor e vapor, se a legislação de meio-ambiente local assim permitir. Nesse caso, apresenta-se como uma fonte de energia de 4700 kcal/kg. Um laudo proferido pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello, da Petrobrás, atestou a eficácia do Supersorb-BR na eliminação de áreas contaminadas por óleo, e também a sua atoxicidade.