Alimentos – Química agrega valor nutricional com uso de novos ingredientes
É notório o atual interesse por uma alimentação mais saudável, mais “natural” e menos “química” (neste caso, diretamente relacionada a uma origem vegetal ou animal, que reforça o apelo da salubridade). Mas a indústria alimentícia precisa satisfazer tal demanda sem deixar de agradar ao paladar de seus consumidores, bem como atendê-los em sua busca por conveniência.
Até pelo fato de enfrentarem concorrentes cada vez mais fortes – como a indústria de embalagens, sempre atenta à possibilidade de gerar negócios garantindo também características como a conservação dos produtos –, os fornecedores de insumos químicos para a fabricação de alimentos tentam, entre outras coisas, distanciar seus produtos da categoria dos aditivos, que não têm valor nutricional – desempenham funções específicas, como conservação, acidulação ou emulsificação –, por outro lado, eles devem necessariamente ser indicados nas embalagens, o que dificulta a percepção desses alimentos como “naturais”.
Essa busca pelo desenvolvimento de ingredientes, e não mais de simples aditivos, consolidou-se em empresas como a Purac, cujo portfólio de produtos fundamenta-se no ácido lático e em seus derivados. Proveniente da fermentação do açúcar, o ácido lático é muito utilizado como acidulante em produtos como molhos, bebidas e maioneses, entre outros; e pode, simultaneamente, colaborar com a conservação dos produtos.
Apesar de sua origem vegetal, e de sua qualificação de aditivo com BPF (Boas Práticas de Fabricação), quando empregado como acidulante, o ácido lático precisa trazer essa classificação junto do seu nome quando apresentado como componente das formulações dos alimentos industrializados.
Para se livrar dessa amarra, a Purac busca agora ampliar o escopo de seus processos, que tradicionalmente sempre procuraram produzir o máximo possível de ácido lático, purificá-lo ao máximo, e aumentar sua concentração: “Hoje, trabalhamos muito na vertente da descoberta de compostos próprios do processo da fermentação, e que antes eram retirados, mas podem, por exemplo, auxiliar no controle biológico, e conferir sabor mais agradável”, conta Ricardo Moreira, gerente de desenvolvimento de negócios para a América Latina da Purac.
Ele cita, entre esses compostos que hoje permanecem em determinados produtos da Purac, alguns sais e ácidos orgânicos, como lactatos e propionatos.
Tecnologias do sabor – A Purac já obteve resultados importantes em sua busca por outros produtos gerados no processo de fermentação do açúcar, além do próprio ácido lático: caso do PuraQArome NA4, uma solução fermentada premiada em eventos internacionais da indústria alimentícia, e capaz de colaborar com uma questão imperativa para esse setor: a necessidade de redução, nos alimentos industrializados, do teor de sódio, associado a problemas cardíacos. A indústria alimentícia usa sódio não apenas como sal (cloreto de sódio) – que, aliás, neste caso, serve não apenas para conferir sabor, atuando na textura, em alguns casos –, mas também em aditivos.

De acordo com Alexandre Gama, diretor comercial da Purac na América Latina, o PuraQArome NA4 permite reduzir a quantidade de sódio em alimentos em até 40%, sem alterar características como sabor ou textura. Ele começou a ser comercializado no Brasil há pouco mais de um ano, e aqui já é utilizado em produtos de panificação e em embutidos. Classificado como um ingrediente, mais exatamente como um aroma natural de reação, não precisará ser citado como um aditivo. “Além disso, enquanto o aditivo tem uma única função, o ingrediente tem um espectro maior de atuação, como sabor, controle e estabilização”, complementa Gama.
Como salienta Mauro Patrus, diretor comercial da Givaudan Brasil, embora queiram alimentos mais saudáveis, as pessoas não abrem mão do prazer de um sabor agradável. Para tanto, a Givaudan mantém um programa denominado TasteEssentials, que trabalha com alguns ícones de sabor – como carnes, cafés, cítrus e baunilha, entre outros –, e procura refleti-los de maneira mais realística. No Brasil, a disponibilização desses produtos começou pelo setor de carnes, com o lançamento, no ano passado, de doze nove sabores de carne: seis mais adequados para o mercado brasileiro e seis para o argentino.
Simultaneamente, a Givaudan mantém a plataforma TasteSolutions, focada em itens que ultrapassem o limite dos aromas, seu foco tradicional de atuação, alcançando as soluções desenvolvidas para satisfazer demandas colocadas pelo interesse dos consumidores por alimentos mais saudáveis: entre elas, a própria redução da quantidade de sódio – e também de outros itens –, e a necessidade de mascarar sabores eventualmente desagradáveis de produtos desenvolvidos com o objetivo de se mostrarem mais saudáveis (derivados da soja, por exemplo).

O programa TasteSolutions é também uma das iniciativas com as quais a Givaudan, mais conhecida como grande fabricante de aromas, busca agora tornar-se também provedora daquilo que Patrus chama de “tecnologias de sabor”, destinadas a atender às demandas mais prementes da indústria alimentícia, como a própria busca pela saúde. “Essa área de tecnologias de sabor vem crescendo bastante”, destaca.
Doce sem açúcar – Diminuir o sódio é apenas um dos desafios hoje colocados para a indústria alimentícia, que para oferecer produtos qualificados como mais saudáveis precisa reduzir também a presença de itens como gorduras e açúcar.
E na substituição do açúcar a principal aposta dos produtores de aditivos para a indústria alimentícia parece hoje recair nos adoçantes à base de stevia, que, por provirem de um vegetal, são qualificados como mais naturais, comparativamente aos adoçantes sintéticos mais tradicionais, como acessulfame-K, ciclamato, sacarina e aspartame.
Perante esses concorrentes, o adoçante de stevia por enquanto é utilizado em escala menor, uma vez que ainda apresenta problemas relacionados a um gosto residual pouco agradável. Mas há quase a certeza da expansão de seu uso, pois, além de produtos capazes de mascarar esse gosto, oferecidos por empresas como a Purac, há pesquisas para a superação desse obstáculo.
A distribuidora M.Cassab, por exemplo, anuncia a presença, em seu portfólio, de um adoçante à base de stevia, produzido na China por uma empresa canadense, que minimiza esse problema: “É um adoçante de alta pureza produzido com um composto da stevia, chamado rebaudiosídeo-A, com sabor mais similar ao do açúcar”, detalha Gustavo Dosualdo, diretor da área de life sciences do grupo M.Cassab.

A CP Kelco, embora tenha produtos comumente mais associados à reologia dos produtos alimentícios (o termo ‘reologia’ se refere não apenas à viscosidade, mas também a características como textura e corpo), também se posiciona como provedora de soluções adequadas à tendência de redução de açúcar nos alimentos industrializados. Classificados como hidrocoloides – caso das biogomas xantana e gelana, e de biopolímeros como pectinas e carragena, entre outros –, os produtos dessa empresa são utilizados em larga escala em itens como bebidas acidificadas, neutras e carbonatadas, sucos, produtos lácteos, sobremesas de base água e de base láctea, recheios dos produtos de panificação, geleias e produtos cárneos.
Entre eles, há integrantes de um portfólio de pectinas cítricas – comercialmente denominado Genu –, anunciadas como aptas a recuperar características sensoriais, controlar sinérese e influenciar na textura de produtos alimentícios associados a essa tendência. Marina Gallo Boldrini, gerente de marketing para a América Latina da CP Kelco, destaca que também é possível desenvolver barrinhas de cereais, segmento relevante para a indústria alimentícia, totalmente sem açúcar, usando hidrocoloides desse portfólio, aos quais se agregam ingredientes como frutas e grãos, entre outros. “Hidrocoloides também têm funcionalidades capazes de conferir características sensoriais mais agradáveis a produtos diet ou light”, destaca Marina.
Ao mesmo tempo, buscam-se conservantes posicionados como mais naturais. A M.Cassab, por exemplo, disponibiliza dois conservantes provenientes da fermentação de bactérias ácido-láticas. Denominados nisina e natamicina, eles pretendem, especialmente nos segmentos dos alimentos lácteos e cárneos, colocar-se como concorrentes dos conservantes sintéticos hoje utilizados em maior escala, como propionatos, benzoatos e sorbatos. “Em categorias como os requeijões, já é bastante acentuada a substituição dos conservantes tradicionais pelos provenientes da fermentação”, conta Dosualdo.
A Purac também quer, com seus produtos gerados pela fermentação de açúcar, atuar mais intensamente no segmento dos conservantes qualificados como mais naturais: “Este ano investiremos muito na área dos antifúngicos”, adianta Moreira.
De animais e de vegetais – O atual interesse da indústria alimentícia por insumos capazes de conferir características mais naturais a seus produtos é apontado como fator de ampliação dos negócios também na Gelita, cujos produtos têm como matriz básica proteínas colagênicas extraídas, no Brasil, de pele de bovinos (em outros países, também de pele de suínos e ossos bovinos).

Além de trabalhar diversas características técnicas dos alimentos industrializados, como textura, aeração e emulsão, tais produtos, explica Claudia Yamana, vice-presidente de marketing e vendas da Gelita nas Américas, podem também agregar um diferencial hoje bastante valorizado: a qualificação como alimentos funcionais, que não apenas nutrem, mas também promovem benefícios à saúde dos consumidores.
Claudia cita, entre os produtos da Gelita hoje com propriedades funcionais, o Verisol, peptídeo bioativo de colágeno destinado ao cuidado com a pele, já presente em itens como chocolates e bebidas, e o Fortigel, também um peptídeo, porém voltado para a saúde das articulações, integrado às formulações de suplementos alimentares. “O Verisol e o Fortigel são sustentados por uma série de estudos clínicos que comprovam sua efetividade. Ambos os produtos são proteínas puras, não alergênicas, e quando adicionados em outras soluções não alteram seus valores sensoriais”, afirma Claudia.
A Gelita também desenvolveu um produto denominado Thermagel, destinado a produtos à base de gelatina comercializados em países tropicais, aos quais confere maior resistência ao calor (simultaneamente, diminui seu tempo de secagem). “Todos os nossos produtos são proteínas 100% naturais e puras; e a indústria alimentícia vê com bons olhos essas características, pois os associa a alimentos mais saudáveis e melhor balanceados nutricionalmente”, destaca Claudia.
Também na CP Kelco, diz Marina, os produtos têm essa origem natural (vegetal, mais especificamente). Sua goma xantana, por exemplo, provém da biofermentação de um micro-organismo extraído das folhas do repolho, enquanto a goma gelana utiliza um organismo extraído do lírio aquático. Há ainda, no portfólio da CP Kelco, produtos provenientes de frutas cítricas, polpas de madeira e algodão, e algas marinhas vermelhas.

Essas várias famílias de hidrocoloides têm aplicações específicas: por exemplo, adequando-se a distintos níveis de pH. “As pectinas trabalham em pHs ácidos, sendo utilizadas em bebidas ácidas, proteicas ou sucos; já as gelanas são versáteis, e podem ser usadas em bebidas acidificadas e neutras, como é o caso das bebidas achocolatadas, em sucos, chás e águas saborizadas”, detalha Marina.
Mais com menos – Alimentos posicionados como mais “naturais” não constituem a única alternativa hoje empregada pela indústria alimentícia para satisfazer às atuais demandas dos consumidores: ela também expande seu investimento no enriquecimento desses produtos com vitaminas e minerais, entre outros.
Com isso, além de conferir a seus produtos tons mais saudáveis, essa indústria também se integra mais decididamente ao conceito da “conveniência”, pois uma das promessas de alimentos enriquecidos é proporcionar às pessoas os mesmos valores nutricionais das refeições de elaboração demorada.
A Purac oferece uma linha de lactatos de minerais com os quais é possível, por exemplo, agregar cálcio a sucos e a bebidas à base de soja, ou ferro a produtos infantis. E se essa adição de ferro a alimentos destinados às crianças já é um processo consolidado, “há outros minerais cujo uso vem se constituindo como tendência, como zinco e magnésio”, observa Moreira, da Purac.
O zinco, especificamente, pode dotar um alimento de características antioxidantes, destaca Dosualdo, da M.Cassab. Mas, nesse mesmo segmento dos antioxidantes, a M.Cassab começa agora a comercializar no Brasil uma substância denominada glutationa, já utilizada em um suplemento vitamínico e em um creme para a pele; o uso nesses dois mercados aparentemente distintos, alimentação e beleza, expõe um movimento de crescente sinergia entre as indústrias alimentícias, farmacêuticas e de cosméticos: “Há atualmente o conceito da ‘beleza que vem de dentro para fora’, e um grande número de empresas desses três setores hoje procura atuar em mais de um deles”, explica Dosualdo.
Além das tendências gerais de promoção da saúde – e da simultânea necessidade de agregar prazer e gratificação aos consumidores –, a indústria alimentícia, diz Patrus, precisa observar também alguns movimentos mais específicos, como a maior abertura das pessoas a novas experiências e a integração das pessoas aos ambientes nos quais elas vivem. “Por exemplo, baianos e mineiros se interessam por alimentos das regiões onde vivem”, exemplifica.
INDÚSTRIA DEVE CRESCER ATÉ 5% EM 2013”
Relativamente a 2012, o desempenho da indústria brasileira de alimentos deve ser melhor este ano, crê Amílcar Lacerda de Almeida, gerente do departamento de economia e estatística da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia): “A produção este ano deve crescer algo entre 4,5% e 5,0%”, prevê. Em 2012, esse índice de crescimento atingiu 3,7%, bem inferior aos índices dos anos anteriores: 4,9% em 2011 e 5,1% em 2010.
Entre as causas dessa redução do ritmo de crescimento no ano passado, Almeida lista a queda nas exportações setoriais, que geram cerca de 20% do faturamento, caindo de R$ 44,8 bilhões, em 2011, para R$ 43,4 bilhões. Houve ainda menor disponibilidade de grãos e de insumos para a pecuária, com o consequente aumento de preços das matérias-primas cárneas.
Em 2013, adianta o gerente da Abia, crescerá a produção agrícola brasileira, e com isso os preços das matérias-primas devem baixar. “Mas novamente o crescimento deve decorrer principalmente do mercado interno, as exportações devem crescer pouco”, ressaltou.
E essa perspectiva de uma conjuntura mais favorável no decorrer do ano é confirmada por Gama, da Purac, empresa que no ano passado concluiu um investimento para ampliar em 35% a capacidade de sua fábrica brasileira (localizada no município fluminense de Campos). “Agora, investiremos mais no desenvolvimento de produtos que não sejam aditivos”, enfatiza Gama.
A Givaudan, diz Patrus, deve ainda neste primeiro semestre inaugurar oficialmente as obras de reformulação e ampliação da sua unidade nacional (localizada na capital paulista). “E já estamos com um processo de aprovação para novos investimentos no Brasil, seja na ampliação da capacidade dessa unidade ou em novas estruturas de controle de qualidade”, detalha.
Atualmente, afirma Claudia, da Gelita, o consumidor brasileiro está muito atento a inovações, e sabe o que acontece em outros mercados. “Isso requer uma indústria sempre atualizada e pronta para desenvolver novos produtos e soluções”, enfatiza. No mercado brasileiro, a Gelita vem obtendo incrementos anuais de negócios situados na casa dos dois dígitos.
Além disso, complementa Marina, da CP Kelco, “o consumidor está descobrindo e cobrando as novidades ligadas às megatendências de consumo, em especial conveniência, sabor e fortificação”, observa. No Brasil, a indústria de alimentos não cresce somente com a atividade das multinacionais, mas também pela ação de empresas locais.
Para Almeida, da Abia, há no Brasil demanda capaz de proporcionar à indústria alimentícia crescimentos anuais situados na faixa entre 5% e 7%, mas a possibilidade de obtenção desses índices é prejudicada por fatores já muito discutidos, como a carga tributária nacional.
Os segmentos dessa indústria apontados por Almeida como os de maior crescimento são exatamente aqueles capazes de atender a demandas como saúde e conveniência: “Cresce mais o segmento composto por alimentos diet, light e funcionais; depois vêm os congelados, supergelados e os desidratados”, especificou. “O desafio da indústria é continuar inovando, trazendo produtos com vida útil crescente, e mais próximos do natural.”
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