Água – Clientes exigem resfriamento de baixo custo
Se tradicionalmente o mercado de condicionamento químico de água para resfriamento industrial sempre foi muito competitivo, com o agravamento da crise econômica iniciada no final do ano passado a situação se intensificou. Também não era para menos, o começo de 2009 já está para ser registrado pela totalidade dos competidores da área como um dos piores da história.
Essa é a opinião, por exemplo, de uma das principais do segmento, a Kurita, que possui grandes contas de tratamento na química e petroquímica e na siderurgia, considerados os setores com maiores necessidades de resfriamento de água. Segundo seu superintendente de operações, José Aguiar Jr., nunca antes a empresa tinha presenciado uma queda de faturamento tão grande, sem perder clientes, como o ocorrido no primeiro trimestre de 2009. “Em comparação com o mesmo período, houve retração de 8%, quando historicamente nessa fase crescemos até 10%”, afirmou.
Também não custa lembrar que durante esses meses difíceis clientes importantes estavam sob pesada recessão. Dos 14 autofornos das siderúrgicas brasileiras, seis permaneceram parados e apenas recentemente começaram a ser religados. E também a petroquímica estava sob marcha lenta, o que ajudou a completar o quadro pouco animador.
A partir de abril, porém, o cenário começou a dar sinais de melhoria, o que culminou de fato em junho, quando pela primeira vez no acumulado do ano houve um pequeno aumento no faturamento, de 1%, em comparação com janeiro a junho de 2008. “Isso nos faz crer que o ano não será perdido e poderegistrar um pequeno crescimento”, completou Aguiar. Boas sinalizações, para ele, nascem de contratos recentes com a Oxiteno, para quem a Kurita passará a tratar o sistema de resfriamento em Capuava-SP e em Triunfo-RS, das vitórias em concorrências na Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão-SP (RPBC), no primeiro semestre, e da Regap, em Betim-MG, mais recentemente, e da conquista da conta da unidade da Braskem PE-5 (ex- Ipiranga) em Triunfo.
O registro do desempenho aquém do esperado na Kurita se torna mais relevante ao se tomar conhecimento de que a empresa tem a conta de tratamento das torres de resfriamento de seis das dez refinarias do país e de três das quatro plantas de eteno (só não trata a da central de matérias-primas da Braskem no polo de Camaçari, na Bahia). Seu desempenho apenas recentemente em recuperação deve refletir panorama semelhante ou pior nas demais concorrentes, empresas como Nalco, GE e Buckman.
Por desempenho – Esses momentos mais críticos da economia são agravados quando os segmentos afetados já estão imersos em competitividade muito alta, como é o caso do formado pelos fornecedores de tratamento químico para água. Isso porque antes mesmo do aperto provocado pela economia esses fornecedores já tinham se acostumado a viver em um ambiente de extrema exigência por parte dos clientes. Há alguns anos prevalece entre boa parte da indústria a busca incessante por minimização de custos, visando o racionamento de uso da água, que precisa ser condicionada com menos produtos químicos possível. Junte-se a esse momento o fato de o concorrente do tratador das torres estar sempre à espreita para substituí-lo em alguma conta interessante e está criado o cenário para se viver sob constante tensão, cortando onde for possível para manter o quadro de clientes.
Um case interessante para ilustrar essa análise do setor vem da central de matérias-primas do polo petroquímico paulista, em Mauá-SP, na Quattor, a ex-PqU. Para conseguir superar um antigo problema de seus contratos de prestação de serviços para o tratamento de suas duas torres de resfriamento, a central passou a pagar as empresas por critério de desempenho. Isso significa, segundo explicou o coordenador de utilidades da Quattor, Altino Bento, que a empresa precisa manter a taxa de corrosão do sistema no padrão de 1,5 mpy (milésimo de polegada por ano). Se conseguir abaixar a meta, ganha bônus no pagamento, mas se ultrapassá-la, há uma penalidade.

Segundo ele, esse critério fez com que o uso de produtos químicos para o controle do sistema fosse racionalizado. “Dessa forma eles precisam manter a água sob controle ideal, sem excesso de químicos, pois o que vai contar no fi nal, para eles poderem receber mais pelo tratamento, será o bom desempenho e não a quantidade de produtos”, afi rmou Bento com a experiência acumulada de 37 anos na central petroquímica. Antes dessa medida, iniciada em meados de 2004, sempre havia a dúvida se o volume de produtos para tratar a problemática água do polo era realmente necessário, principalmente porque a taxa de corrosão da unidade anteriormente era muito maior do que a de hoje.
A atual contratada na Quattor, a Kurita, consegue manter a taxa de corrosão em 1 mpy e está sendo bonificada já há dois anos por isso em parte do seu pagamento mensal. Para o líder da área técnica da Kurita, Antonio Ricardo Carvalho, a conquista se deveu principalmente ao uso do cloro estabilizado (marca Optimax). “Como a água do polo demanda alta dosagem de biocidas, o uso deles tende a elevar em muito a taxa de corrosão do sistema, comprometendo a planta no longo prazo”, afirmou.
Com os estabilizantes empregados na formulação do hipoclorito de sódio da fórmula Optimax, a ação biocida se estende para além das bactérias planctônicas (sobrenadantes na água), penetrando também nas chamadas bactérias sésseis que formam os biofilmes e algas na superfície metálica. Esses estabilizantes patenteados usados pela Kurita reduzem a reatividade do hipoclorito e fazem com que ele permaneça na água o suficiente para remover os contaminantes. Ao contrário de outros oxidantes, que possuem ação enérgica muito elevada, com risco de corrosão, e rápida, o que os tornam eficientes apenas contra as planctônicas, pois não têm tempo de residência para eliminar biofilmes e algas.
E era isso o que ocorria no tratamento anterior na Quattor, quando era empregado dióxido de cloro, de alto poder oxidante. Gerado in situ, com a reação do clorito de sódio com ácido sulfúrico (com tecnologia da Clariant), o ambiente do tratamento se tornava muito ácido, com a geração de cloretos que aumentava a taxa de corrosão para padrões acima de 2 mpy. E isso sem falar que a queda do pH e a elevada condutividade favoreciam a formação de biofilme que não era removido pelo instável oxidante. Tanto foi assim que na última parada da central em 2008, segundo Altino Bento, havia muita lama nas torres.

Água ruim – O caso na Quattor em Mauá é ainda especialmente importante para ilustrar uma discussão sobre tratamento de água para torres – onde por sinal as indústrias normalmente mais consomem água – por se tratar de um local de muita criticidade. O manancial da região é extremamente poluído e vem do Rio Tamanduateí. Embora o custo da água fluvial seja relativamente baixo (cerca de R$ 1/m3), sua qualidade é muito baixa do ponto de vista de corrosão, deposição e fouling (incrustação) microbiológico. Apesar de passar por processo de filtração e cloração, a água vinda do rio mesmo assim contém alto nível de amônia, matéria orgânica, turbidez e sólidos suspensos.
E por causa principalmente da amônia deve-se utilizar um efetivo programa microbiológico, para evitar problemas de contaminação e corrosão em sistemas contendo cobre e suas ligas, chegando a pontos de pitting e de corrosão por stress. Ademais, se a corrosão do cobre não for controlada de modo adequado, os íons cobre da água podem depositar-se sobre as superfícies de transferência térmica de aço carbono, gerando sérios problemas de corrosão galvânica. Isso sem falar que os sólidos suspensos na água podem levar à deposição e corroer sob depósito os trocadores de calor. Todo esse perfil, aliado ao fato de a composição da água de reposição não ser constante, exige monitoramento adequado.
A captação no Tamanduateí é feita pela Refinaria de Capuava (Recap), da Petrobras, que mantém duas estações de tratamento de água: a ETA 1 serve a refinaria e a ETA 2 prepara de forma primária a água para a central petroquímica, que se encarrega de finalizar o tratamento para uso próprio e para distribuição para as demais empresas do polo.
O Rio Tamanduateí, classe 4, recebe in natura esgotos domésticos e industriais, com alto grau de contaminação e complexidade. Além disso, passa a maior parte do ano com baixa vazão e conta com alto teor de matéria orgânica e de amônia entre 70 e 130 ppm, resultante dos descartes domésticos, o que aumenta a necessidade de manutenção dos equipamentos por causa da sua corrosividade. Bom acrescentar que, além da água do rio que vem pré-tratada pela Recap – em volume de cerca de 750 m3/h –, a Quattor ainda necessita complementar o consumo do complexo petroquímico (mil m3/h) com 200 m3/h de água potável comprada da Sabesp (muito cara, cerca de R$ 5/m3) e com 60 m3/h de rejeito salino da nova unidade de osmose reversa da central, que, aliás, segue diretamente para as torres da central. A compra da água municipal é considerada um grande gargalo da operação, em virtude do seu alto custo.
Capital humano – Essa criticidade do sistema na Quattor de Mauá, na opinião de Altino Bento, faz com que o tratamento das torres tenha muitas peculiaridades e demande atenção e conhecimento pleno do sistema pelos responsáveis pelas dosagens químicas da água de alimentação. “Há variações importantes. Não dá para confiar em programações de médio prazo, porque de uma hora para outra a água muda”, explicou. Para ele, isso faz com que o “capital humano” seja o grande diferencial na prestação de serviço, até mais importante do que as tecnologias químicas para manter o controle da corrosão, incrustação e da contaminação microbiológica. “Produtos de qualidade, todas as fornecedoras importantes têm, o que vai diferenciar o bom tratamento do ruim é o profissional que atende a nossa conta”, revela Bento. Apesar disso, o coordenador não deixa de reconhecer a importância que foi para a operação ter deixado de lado a cloração e o dióxido de cloro, por meio do uso do cloro estabilizado e do programa de dispersantes da Kurita. “Isso tornou o tratamento menos agressivo e de risco”, explicou.
A Quattor na central de Mauá conta com duas torres: a EF901, a mais antiga delas, na central desde sua fundação há quarenta anos, com 11 células de ventilação e vazão de 19 mil m3/h; e a EF 1901, em operação desde 1994 e que já passou por duas ampliações, totalizando hoje oito células e com vazão de 9 mil m3/h. A primeira é com estrutura de madeira e a segunda, mais nova, de concreto, as quais operam, respectivamente, com ciclos de concentração de sais de 6,5 e 6.
Como nota interessante da prestação de serviço para tratamento químico das torres de resfriamento na Quattor, Altino Bento alerta que em breve a petroquímica, que hoje concentra uma afinidade de ativos da Unipar, Suzano e Petrobras, deve começar a fazer concorrência corporativa. Ou seja, o vencedor passará a tratar de todas as torres da Quattor no Brasil. Aliás, se a promessa de união com a Braskem se concretizar, o que tem sido aventado, essa concorrência poderá ser ainda maior.
Aquapolo vem aí – A previsão no futuro na central da Quattor em Mauá, a despeito da péssima qualidade atual da água, é a de que os ciclos de concentração das torres aumentem. Isso não por causa de mudanças no tratamento, visto que tecnicamente é muito difícil garantir conquistas maiores nesse quesito. Mas em virtude de fato prestes a ocorrer no polo paulista: a central contará com nova fonte de abastecimento de água, por meio de antigo projeto de água de reúso que finalmente saiu do papel em uma parceria entre a Sabesp e a empresa de engenharia ambiental da Odebrecht, a Foz do Brasil.
Pelo projeto, denominado Aquapolo, será construída uma elevatória e uma estação de tratamento de água na ETE ABC da companhia paulista, onde será polido o esgoto tratado da região (com oxidação da amônia) para fornecer 650 litros de água de reúso por segundo (o equivalente ao consumo de uma cidade como Jundiaí, em São Paulo, com 350 mil habitantes), por meio de adutora de 16,5 km que chegará até a central petroquímica.
Além de livrar a Quattor da água de baixa qualidade tratada pela Recap, o projeto avaliado em cerca de R$ 120 milhões, com contrato para fornecimento de 24 anos e prazo de entrega para 2012, segundo Altino Bento, vai facilitar o condicionamento da água de resfriamento. “A qualidade da água será muito maior, já que ela na nova unidade Foz-Sabesp passará por uma ETE e uma ETA, ao contrário do que ocorre hoje, onde a água do Tamanduateí, praticamente um esgoto puro, só passa por uma ETA”, disse. Segundo ele, esses predicados permitirão aumento dos ciclos de concentração e consequentes economias de água de reposição e de consumo de químicos. “E também não precisaremos mais complementar a demanda com a cara água potável da Sabesp na região”, completou. A estimativa é a de que o custo da compra de água caia pela metade para a Quattor.

Bento está esperando também com a nova água uma melhora substancial no custo global do tratamento, incluindo aí a manutenção periódica e geral dos trocadores de calor. Hoje os dois principais trocadores, na torre EF901, passam por limpeza completa a cada parada, em período de seis anos, enquanto os demais a cada ano precisam ser revistos.
Além da melhora qualitativa, é bom lembrar que o projeto atende aos planos de expansão do polo, que ampliou em 2008 sua produção de eteno de 500 mil t para 700 mil t/ano. Até pouco tempo a expansão (também as da segunda geração petroquímica) estava comprometida em virtude das expectativas de escassez de água. Isso por um motivo surrealista: se a cidade de Mauá passar a coletar e tratar seu esgoto, o que deve ocorrer no médio prazo, a vazão do Tamanduateí no ponto de captação praticamente some. Com o projeto de reúso, concebido para poder ampliar no futuro o abastecimento para mil litros por segundo, esses problemas acabam para a central e para as doze empresas do polo dependentes dessa água.
Reúso importante – Quando se leva em conta que as torres de resfriamento são, em geral, as maiores consumidoras de água na indústria pesada, é vital defender projetos de reúso. Em média, elas respondem por 70% do consumo de uma unidade. Para se ter uma ideia, na planta de poliestireno da Dow Química, no Guarujá, em São Paulo, do consumo médio total de 1.534 m3 por mês de água em 2009, 65% foi para suas duas torres (uma reserva).
Segundo o líder da planta da Dow, Luis Carlos Cortes, esse percentual ainda é fruto de um plano de minimização do consumo,que incluiu nos últimos anos medidas de reúso. “Há coleta de água da chuva na área da fábrica e do telhado de um armazém que passou a ser direcionada para a torre”, afirmou Cortes. As iniciativas reduziram o percentual de uso de água nova na torre: em 2007, quando o consumo médio mensal era de 1.775 m3, representava 79%; em 2008, com 1.561 m3/mês, caiu para 74%, até chegar aos atuais 65%.
O uso da água pluvial teve ainda outros benefícios, na explicação de Luis Cortes. “Por ser praticamente isenta de sais, o tratamento não foi afetado e os ciclos de concentração aumentaram, diminuindo bastante o make-up”, disse. “E não foi preciso alterar a quantidade de produtos químicos.” Além desse tratamento, a Dow bombeia toda a água pluvial para um filtro de areia antes da entrada na torre, para remover sólidos suspensos principalmente.
O máximo de aproveitamento de água para torres de resfriamento é premissa básica para qualquer indústria interessada em levar a sério o conceito do reúso. Não é por outro motivo que a Petrobras, em] promoção em suas refinarias das maiores obras da atualidade nessa área, fundamentou grande parte dos projetos de reúso com o propósito de alimentar suas imensas torres de resfriamento (o maior sistema de resfriamento industrial do Brasil é o da Replan, em Paulínia, com vazão de tratamento de 48 mil m3/h).
Há vários sistemas novos em implantação nas refinarias que visam o reaproveitamento de água para torres. Na Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim-MG, foi instalado um sistema piloto de decantação acelerada, com microareia e sedimentação lamelar, acoplado a uma eletrodiálise reversa (EDR), para tratar 60 m3/h de efluentes para reúso em reposição em torre de resfriamento. Essa experiência piloto serviu para a Petrobras definir os módulos de EDR em futuras concorrências como uma das tecnologias para preparo de água para torres de resfriamento ou para reaproveitamento da purga das torres (este último caso tem sido implementado na refinaria paranaense, a Repar). Isso principalmente porque conta com operação robusta, de fácil manutenção e que suporta maiores contaminações orgânicas e ao cloro. Apesar de remover sais em um grau inferior à osmose reversa, é suficiente para garantir boa operação em circuitos de resfriamento com custo de operação e instalação inferiores aos das unidades com membranas de osmose reversa.
Ter poucos sais na água das torres é bom para garantir ciclos de concentração maiores, mas não é obrigatório para as torres. Tanto é assim que muitas utilizam rejeitos salinos de processos de desmineralização, caso da própria Quattor Petroquímica. Mas, de forma geral, os técnicos envolvidos com o tratamento sabem que quanto melhor a qualidade da água de reposição, melhor será a relação custo/benefício, com os ganhos evidentes na manutenção e conservação dos equipamentos.

A Quattor, segundo Altino Bento, recupera um filtro lateral para melhorar a água das torres. E a Kurita, a atual contratada da petroquímica, fornece desses sistemas em vários de seus clientes, até mesmo em unidades vizinhas da central petroquímica da Quattor. Na unidade de polietileno da Quattor PE/ABC (ex-Polietilenos União), há dois filtros laterais. Ambos, segundo o líder de tecnologia Antonio Ricardo Carvalho, melhoraram de tal forma o tratamento que hoje a torre opera a oito ciclos de concentração. “Os filtros e um sistema de automação para acompanhamento e monitoramento bem projetados suportam muito bem o tratamento químico. Posso afirmar que hoje são ferramentas importantes para garantir o máximo de eficiência”, explicou o superintendente José Aguiar Jr., da Kurita. “E isso significa redução do consumo de água, o que hoje é meta de qualquer empresa séria”, completou o executivo.
Concorrência em sistemas de resfriamento na indústria química e petroquímica 07/2005 a 07/2009
