Água: Clientes de todos os portes buscam técnicas avançadas para melhorar condicionamento
O comportamento da economia brasileira não facilita vida das empresas que oferecem soluções para o condicionamento de água para caldeiras. “Há grandes dificuldades desde 2013, um ano muito ruim”, afirma José M. Aguiar Junior, superintendente de operações da Kurita do Brasil Ltda.

Acostumada, desde 2002, a contabilizar taxas de crescimento anuais de dois dígitos, a empresa de origem japonesa teve que se contentar com uma expansão de apenas 5% no segmento produtos químicos para caldeiras (3% nos negócios totais) no ano passado. Aguiar espera, no entanto, uma recuperação neste ano, voltando ao patamar histórico, com um crescimento de 15%. É um bom sinal, mas não é, obviamente, motivo de euforia, porque a evolução dos negócios se dá sobre uma base relativamente baixa.
Jorvic Vital, consultor técnico industrial para o segmento químico e de geração de energia da Ecolab, prefere dizer que a indústria “se encontra em uma fase de contenção de despesas e do orçamento dedicado aos sistemas de utilidades, especialmente em energia.”
A implementação de sistemas de geração de vapor no Brasil está vinculada ao crescimento de investimentos na indústria em geral, com ênfase nas de alimentos, bebidas e manufatura, no que diz respeito às caldeiras de baixa pressão (até 20 kgf/cm2), e nas de papel, açúcar e álcool, química, refinarias, metais primários e termelétricas, para as caldeiras de média (de 20 a 60 kgf/cm2) e alta pressão (acima de 60 kgf/cm2).
Vital ressalva que, nos últimos anos, “o Brasil tem crescido sistematicamente em alguns segmentos industriais”. É justamente neles que a Nalco, uma empresa da Ecolab, tem realizado desde o projeto para a implantação de tratamentos químicos e controles aplicados à água da caldeira, até projetos de ciclos combinados, caldeiras a carvão, caldeiras de recuperação em indústria de papel, caldeiras de biomassa, caldeiras de recuperação de plantas de amônia e outras.
“O fato de clientes procurarem conhecer e implantar cada vez mais as melhores práticas industriais permite à empresa avançar em participação de mercado”, revela o consultor técnico. A Nalco oferece “serviços de valor agregado e soluções que combinam produtos químicos, automação e tecnologia 3D Trasar, de grande aceitação no mercado em geral”.
Kelsey Cichy, gerente de vendas de equipamentos para tratamento de água e efluentes da GE Water & Process Technologies, vê crescimento de oportunidades em meio à crise energética: “Estão surgindo cada vez mais novos projetos que utilizam caldeiras de alta e média pressão para a produção de vapor e posterior geração de energia elétrica; além disso, a geração distribuída de energia já é uma realidade no país.”

Ele trabalha com a hipótese de que, até 2020, haverá um aumento de 35% da demanda de eletricidade no mundo. Olhando para realidade brasileira, cogita que a instalação de novas usinas termelétricas e de cogeração, é “uma das maneiras mais rápidas e seguras de suprir a demanda por eletricidade”. Ambas as usinas precisam de caldeiras de alta pressão para o seu funcionamento, exigindo condicionamento apurado da água de alimentação.
Por conta da dramática crise hídrica de 2014, termelétricas foram reativadas e/ou ampliadas, novos leilões foram realizados para a instalação de novas usinas e diversas indústrias optaram por gerar (e cogerar) a sua própria energia. Jennifer Rae, responsável por marketing estratégico e inteligência de mercado, ressalta que “surgiram para a GE Water & Process Technologies diversas oportunidades de fornecimento de soluções para a desmineralização de água, incluindo o fornecimento de plantas e de serviços de produção temporária de água, utilizando a frota de equipamentos móveis, com operação dedicada da GE, denominada GE Mobile Water”.
Esta unidade fornece equipamentos móveis de tratamento de água – filtros multimídia, ultrafiltração, osmose reversa, troca iônica, EDI, etc. – dispostos em skids e conteiners que são alocados nas unidades industriais para atender demandas específicas de tratamento de água de forma temporária. Também são disponibilizados engenheiros de campo para operar os equipamentos e assegurar o bom funcionamento e a qualidade da água produzida. Quando não há mais necessidade, a GE retira os seus equipamentos da planta, não havendo, assim, investimento na aquisição desses ativos por parte das indústrias.
Além disso, continua Jennifer, ao considerar que a qualidade da água utilizada em caldeiras afeta diretamente a eficiência e a produtividade da usina termelétrica ou de cogeração, o mercado se mostrou muito propenso a terceirizar as suas operações de desmineralização de água, sendo este mais um setor onde a GE Water & Process Technologies encontrou oportunidades para oferecer os serviços de fornecimento de água com operações de longo prazo, denominado BOO (Build, Own & Operate). Assim como para a GE Mobile Water, para contratos BOO não há necessidade de o cliente investir em equipamentos. “Estimamos que essa tendência permanecerá em 2015”, frisa.
Desaceleração – O ritmo mais lento da economia nacional tem provocado o acirramento da concorrência entre os fornecedores com a consequente redução dos níveis de preços dos produtos químicos utilizados no tratamento de água. A percepção de Aguiar é que o tamanho desse mercado encolheu “pelo menos 5%” em dois anos. A explicação para o desempenho da Kurita acima da média do mercado está na estratégia adotada: além de reduzir custos e aumentar a produtividade, a empresa concentra o seu foco no fornecimento de químicos para as caldeiras de baixa e média pressão.
Essa postura, aliada à crença no sucesso de algumas tecnologias, faz a Kurita divisar um horizonte a médio e longo prazos mais otimista. “Dá para crescer no mercado brasileiro”, declara Aguiar. A Kurita se considera a terceira maior força do mercado de químicos para caldeiras. Do faturamento projetado para 2014, da ordem de US$ 65 milhões, 45% das receitas são auferidas na área de torres de resfriamento; 25% é resultado da atuação no condicionamento de água para caldeiras; 20% provem do tratamento de efluentes; e os 10% restantes são de outras fontes. No Japão, o perfil é diferente; os negócios estão divididos em proporções iguais entre caldeiras e torres.
Fundada em 1949, no Japão, a Kurita está no Brasil desde 1975 oferecendo soluções para tratamento de água em âmbito industrial. Em 2011, transferiu-se de São Paulo, inaugurando uma fábrica moderna, com 7.500 m2 de área construída em terreno de 28 mil m2, no município de Artur Nogueira, a 150 km da capital, onde trabalham 65 funcionários. Produz cerca de 1.500 toneladas/mês de 300 produtos químicos, manipulando 100 tipos de matérias-primas. Em caldeiras, os negócios se dividem em partes relativamente iguais entre as indústrias petroquímicas, alimentação e bebidas, siderúrgicas, usinas termelétricas e outras.
Com 12 anos de experiência no ramo de tratamento de águas industriais, Vital destaca que a Nalco continuará investindo na oferta de soluções integradas para tratamento de água dos sistemas de geração de vapor com novos químicos, tecnologias de automação, comunicação, monitoramento e controle online, juntamente com os serviços de valor agregado. E antecipa: “A previsão é que, para os próximos anos, ocorra no Brasil o lançamento de novas tecnologias químicas de produtos traçados para caldeiras de baixa pressão, que permitam manter uma operação confiável e eficiente do ciclo de vapor”, prognosticou.
Com cinco centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados pelo mundo, um deles em Campinas-SP, a Nalco está desenvolvendo uma nova geração da tecnologia de tratamentos dispersantes traçados Nexguard, que “permitem um ótimo controle e incrementam a confiabilidade das caldeiras para diminuir efeitos de possíveis depósitos e incrustações, que normalmente acontecem quando se utilizam produtos commodities que não podem ser monitorados online”.
A GE tem planos de crescimento contínuo e sustentado junto a seus atuais clientes e o mercado potencial, segundo Rogério Dutcosky, especialista de aplicação de químicos para caldeiras. Aliando equipamentos de tratamento de água ao desenvolvimento e aplicação de ativos químicos, a empresa elabora “uma solução adequada para as necessidades de sistemas de geração de vapor de forma única e individual.” Com os diferenciais que julga ter, a GE aposta que “são grandes as chances de crescer junto com a demanda energética e a implantação de novas usinas termelétricas e de cogeração no Brasil”.

Vital diz que há uma demanda importante por tratamentos a base de fosfato (em alta e baixa pressão), sequestrantes de oxigênio que dependem da existência ou não de desaeradores, e as misturas de aminas neutralizantes de diferente volatilidade. Os tratamentos a base de dispersantes têm se destacados nos últimos anos devido à sua flexibilidade e limpeza em caldeiras, que permitem a otimização dos ciclos de concentração, representando diminuição dos gastos com energia e combustível.
O consultor da Ecolab pondera que a maior parte da indústria recicla o condensado gerado em suas plantas, o que reduz o consumo de água de 20% a 90%, dependendo do segmento. Na indústria química, por exemplo, os condensados de processo contêm elevada carga orgânica de compostos carbonados. Já na indústria de papel, os condensados das máquinas secadoras podem aportar muito cobre e ferro, o que demanda uma solução mais completa em que se avaliam produtos químicos e equipamentos. “Para esses casos, a Nalco conta com a área de E&PD (Engineering & Project Development), capaz de executar projetos do tipo DBOOM (Design, Build, Own, Operate and Maintanance) que podem projetar a melhor solução para os clientes.”
Para Dutcosky, o investimento na melhoria da qualidade de água de reposição com remoção eficiente de sais de dureza e sílica, responsáveis pelos problemas de incrustação, maior recuperação de vapor na forma de condensado e as maiores taxas de evaporação dos novos equipamentos fazem com que a presença de ferro passe a ser o foco dos condicionamentos químicos de caldeiras.
Maior cuidado nos processos de inibição de corrosão e uso de dispersantes de última geração para aumentar transporte de ferro pelas caldeiras podem fazer grande diferença na eficiência desses equipamentos, prossegue Dutcosky. “A GE tem feito fortes investimentos para maximizar esses dois aspectos nos programas de tratamento tanto com desenvolvimento de ativos químicos como procedimentos e formas de controle e dosagem automatizados.” Como exemplo ele cita a linha HTP2 de dispersantes para ferro, o programa de modelagem de sistemas de condensado para determinar os melhores programas de inibição de corrosão, a plataforma BPS para automação e controle de dosagem de químicos e o sistema de monitoramento e vigilância remota em tempo real.
Soluções – As caldeiras de alta pressão exigem água desmineralizada de alta qualidade. Para a produção desse tipo de água, a GE divulga que possui um “portfólio completo”. Para equipamentos, dispõe das tecnologias de ultrafiltração, osmose reversa e eletrodeionização (EDI). E desenvolveu dois novos produtos: o Propak (equipamento composto por membranas de ultrafiltração e osmose reversa em um único skid) e o Pro-Ecell (composto por osmose reversa e eletrodeionização em um único skid, desenvolvido para produção de água ultrapura utilizada em make-up de caldeiras e como água de injeção em turbinas, para controle de temperatura).
A combinação destas tecnologias produz água com resistividade de 16 Mohm-cm, ou seja, 0,0625 microS/cm2 de condutividade. Cichy diz que, assim como o Propak, o Pro-Ecell também proporciona uma redução drástica no consumo de produtos químicos se comparado com a tecnologia de troca iônica, que utiliza resinas e químicos, como ácidos e soda cáustica, para a regeneração, gerando um elevado custo operacional e efluente químico que necessita de tratamento antes de ser descartado.
Adicionalmente aos produtos e especialidades químicas, a GE desenvolveu um software denominado InSight que, por meio de sensores instalados no sistema de produção dos clientes, envia informações online para a Central de Controle, nos Estados Unidos, para que especialistas monitorem a performance dos produtos e sistemas do cliente. “Esse sistema fornece análises, detecção precoce de problemas emergentes, avaliação de produtividade, gráficos e relatórios sobre a operação dos sistemas e foi criado pela GE para auxiliar as indústrias a garantir a qualidade de seus processos”, complementa Jennifer.
Se no segmento de caldeiras de alta pressão as tecnologias de tratamento de água são de certa forma tradicionais e consolidadas, na faixa de mercado das caldeiras de baixa e média pressão há espaços para crescer com a inclusão de novas tecnologias. Nas de baixa e média pressão, onde a qualidade da água é menor e não há necessidade do tratamento atender a tantos requisitos técnicos, ocorre, entretanto, um certo relaxamento no mercado. Aguiar estima que de 10% a 20% das caldeiras de baixa pressão no Brasil não usa sequer um abrandador. Essa realidade não é isolada e está dentro do contexto latino-americano. O consolo é que já foi pior. Segundo o executivo da Kurita, a conscientização da importância de se ter pelo menos um abrandador vem aumentando no país: há cinco anos, cerca de 30% dessas caldeiras eram alimentadas com água nenhum sem tratamento.
Novos dispersantes – Em fevereiro deste ano, a multinacional japonesa lançou uma família de dispersantes – Kurita AX e Kurita AZ – e equipamento de automação para controle online dos novos dispersantes, o Kuriauto BNH. Esses dispersantes têm dupla função: dispersão e remoção de incrustações em caldeiras de baixa e média pressão. “É uma solução pioneira”, garante Aguiar.
Em caldeiras com água abrandada sempre ocorrem pequenos vazamentos de dureza. Os vazamentos de dureza maiores de 15 ppm como CaCO3 apresentam alto risco de incrustação; entre 5 e 15 ppm como CaCO3, o risco é moderado. A Kurita efetuou em 2013, no Japão, uma investigação do vazamento de dureza em 3.563 clientes. Cerca de 45% deles indicaram risco de incrustações. É um número elevado de indústrias, portanto, que está sujeito a acidentes e perda energética. Normalmente, a solução adotada implica em limpeza química e remoção da incrustação.
Com a solução disponibilizada agora pela Kurita, a limpeza é em linha e não há aderência de incrustação. A dosagem de Kurita AX/AZ é aumentada pela atuação do Kuriauto BNH. Os procedimentos atuais de limpeza online contemplam o uso de quelantes (EDTA), o que significa maior risco de corrosão.
Não é à toa que Aguiar costuma dizer que a nova família de dispersantes mais o Kuriauto BNH respondem à evolução das caldeiras. O polímero foi aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) e já é utilizado no Japão. “Esta é uma alternativa mais avançada tecnologicamente e com menores custos. É esplêndido o efeito na remoção de incrustações já formadas, de 3 a 5 vezes maior do que outros polímeros também aprovados pela FDA, com a vantagem de adicional de não ser corrosivo”, observa.
Previne a formação de incrustações em vazamentos de dureza de até 300 ppm e combate o “grande vilão” das caldeiras de baixa pressão, a sílica. Em águas com até 900 ppm de sílica não se pode ter dureza. Coloca-se, então, um monitor para medir o vazamento e o dispersante, e se impede a formação de incrustação.
Essas novas tecnologias ainda não têm nenhuma aplicação no Brasil. O grande problema, na visão do executivo da Kurita, é a resistência, o conservadorismo do mercado. “Há muitos paradigmas em tratamento de água que precisam ser quebrados”, insiste Aguiar. “O desafio é romper o ceticismo dos potenciais clientes, as usinas sucroalcooleiras e as indústrias de alimentos e bebidas. Há uma crença, paradoxal, de que todos os fornecedores oferecem um tratamento igual. Então, o mercado adota uma postura conservadora na hora de decisão. E não se trata de venda de commodity”, enfatiza.
Vital corrobora a tese: “Muitas indústrias estão commoditizando os tratamentos de água, o que diminui drasticamente a confiabilidade operacional. Existe uma quantidade importante de empresas com caldeiras de alta, média e baixa pressão que insistem no uso de commodities e dependem basicamente da realização de análises de laboratório da condição química da água das caldeiras, deixando de lado o monitoramento online, que é uma peça fundamental do controle.”
O lado bom é que, “ao mesmo tempo, muitas empresas estão migrando para a aplicação das melhores práticas industriais, recomendadas por grandes associações técnicas que são referencias mundiais, como a American Society of Mechanical Engineers (Asme), American Boiler Manufacturers Association (ABMA), International Association for the Properties of Water and Steam (IAPWS), Energy Power Research Institute (Epri) e a alemã European VGB Standard, das quais os especialistas da Nalco fazem parte”, disse. Isso conduz, na sua avaliação, ao uso de produtos mais especializados e tecnologias específicas.
Recentemente, a empresa documentou um estudo de caso no Brasil por aplicação de melhores práticas e tecnologias em caldeiras para uma unidade de cloro-soda. Da mesma forma, está documentando ganhos na implantação do Nalco Corrosion Stress Monitor em uma fábrica de papel e em outra de ácido sulfúrico. “Apenas entre 2010 e 2014 já foram publicados mais de 20 estudos de casos da Nalco, associados a sistemas de vapor que incluem a implantação de melhores práticas”, destaca.
Já Dutcosky, da GE, sustenta que os clientes estão mais críticos e exigentes quanto à qualidade dos programas de condicionamento para caldeiras. “Os clientes desejam não somente que os seus ativos sejam preservados com relação aos eventos de corrosão e incrustação/deposição, mas também operar com baixos custos e com a maior eficiência possível de produção de vapor com qualidade.” E recomenda: “As empresas de tratamento de água que queiram se destacar no mercado não poderão ser apenas fornecedores de produtos químicos, mas parceiros no desenvolvimento de soluções e controle operacional, sendo ainda consultores para a resolução de problemas e redução de custos.”
No caso dos equipamentos, cada vez mais a qualidade e a confiabilidade está influenciando nas tomadas de decisão das empresas. Cichy acha que fornecedores que não provêm produtos de qualidade, robustos, confiáveis e de alta durabilidade estão perdendo espaço no mercado.