Agroquímica: Insumos garantem safras recordes, mas sofrem com regulação estatal lenta

Química e Derivados, Agroquímica: Insumos garantem safras recordes, mas sofrem com regulação estatal lentaO agronegócio brasileiro vai muito bem, obrigado. Safras recordes de grãos se sucedem, a produção de carnes registra forte crescimento e as exportações caminham a passos largos, embora dificultadas pela péssima infraestrutura de transportes e de armazenamento no Brasil. Há exceções, como a laranja, que amarga outro ano difícil. No cômputo setorial, o resultado é muito positivo.

O uso de produtos químicos nas atividades agrárias explica em boa medida esse crescimento de produção e de produtividade. Dos condicionadores de solo (calcário e gesso) e fertilizantes sintéticos aos modernos defensivos, registra-se forte integração entre as cadeias produtivas química e agrícola.

Seria, portanto, de se esperar que o agronegócio pujante fosse acompanhado por uma indústria química igualmente forte. Mas não é isso o que as estatísticas revelam.

As importações de intermediários de fertilizantes e de insumos para defensivos respondem por grande parte do rombo na balança comercial química brasileira, que encerrou 2012 com um déficit de US$ 28,1 bilhões.

Para importações químicas totais de US$ 43 bilhões, os intermediários para fertilizantes representaram US$ 8,2 bilhões, sendo o segmento com maior valor de compras no exterior, segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Isso representa quase 20% das importações químicas. Essa situação se repetiu de janeiro a abril de 2013, quando foram importados US$ 14,3 bilhões de químicos, entre os quais US$ 2,5 bilhões desses intermediários.

Os valores envolvidos apontam, à primeira vista, para uma enorme oportunidade de investimentos na produção de fertilizantes sintéticos no Brasil. Olhando mais de perto, o quadro não parece tão atraente assim.

Química e Derivados, David Roquetti Filho, Anda, indústria nacional de fertilizantes mantém investimentos
Roquetti: indústria nacional de fertilizantes mantém investimentos

“Somos realmente o quarto maior consumidor de nitrogênio, fósforo e potássio, o famoso trio NPK, mas nossa demanda representa apenas 5,9% do consumo mundial”, explicou David Roquetti Filho, diretor executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), citando dados de 2010, os mais recentes publicados pela International Fertilizer Industry Association (IFA). Ou seja, não somos um player tão relevante assim.

A China consome 28,8% de todo o NPK produzido no mundo, seguida pela Índia, com 16,8% e pelos Estados Unidos, com 11,66%. O terceiro colocado no ranking mundial consome o dobro do Brasil. “Mas é preciso salientar que o país tem a maior média geométrica de crescimento anual entre 1989 e 2010, com incremento de 6,2% ao ano, enquanto a média chinesa é de 3,51% e os EUA com 0,01% negativo”, considerou.

Da mesma forma, a China lidera a relação dos maiores produtores mundiais de NPK, dominando 29,67% da oferta. O segundo maior produtor são os EUA, com 9,63%, em seguida vêm Índia (8,94%) e Rússia (8,3%), sempre com base nos dados da IFA para 2010. Nessa relação, o Brasil está na modesta 11ª colocação, com 1,61% e taxa média de crescimento de 2,43% ao ano, muito abaixo da registrada pela China, com 5,7%.

“Ao contrário do que se possa imaginar, o setor brasileiro de fertilizantes não está parado, mas há vários investimentos em curso, só em 2012 foram efetivamente alocados em projetos do setor US$ 2,767 bilhões”, comentou Roquetti. Entre esses projetos, está a unidade de fertilizantes nitrogenados (UFN) que a Petrobras está construindo em Três Lagoas-MS para obter amônia e ureia de gás natural. Há projetos para aumentar a produção local de fósforo e também de potássio. A expectativa setorial é de um aumento na oferta nacional de NPK das atuais 3.425 t/ano para 9.353 t/ano em 2017. Com isso, será possível suprir 63,5% da demanda, percentual que hoje não chega a 30%.

Química e Derivados, Projeção do mercado nacional de fertilizantes
Projeção do mercado nacional de fertilizantes

Os investimentos poderiam ser maiores, mas, como todos bem sabem, os custos dos principais insumos do setor, a eletricidade e o gás natural, são elevados, existem distorções tributárias que prejudicam o produto feito no país, e a infraestrutura de transportes e logística é ruim. Porém, parte do setor de fertilizantes depende de extração mineral, caso do fósforo e do potássio. “As licenças ambientais para mineração demoram muito para ser aprovadas e faltam marcos regulatórios claros para esse setor”, avaliou Roquetti. A demora de oito a dez anos para licenciamento impacta a avaliação dos projetos de investimentos, pois se torna impossível determinar o valor presente líquido com um intervalo de tempo tão longo, enquanto o mercado é volátil. Apesar disso, ele aponta que a produção nacional de fertilizantes tem preço competitivo em escala global.

Química e Derivados, Defensivos começaram bem o ano de 2013
Defensivos começaram bem o ano de 2013

No caso do gás natural – o metano é o melhor hidrocarboneto para a síntese de amônia, como doador de hidrogênio no processo Haber-Bosch; e o carbono liberado pode ser aproveitado mais tarde na produção de ureia –, a descoberta do gás de xisto (shale gas) nos Estados Unidos está influenciando mudanças drásticas no mercado de nitrogenado. “Pela primeira vez, em 2012, o preço da ureia desacoplou das cotações do petróleo”, apontou o diretor executivo da Anda.

Ainda é cedo para dizer se os Estados Unidos voltarão a ser exportadores de nitrogenados, mas, de qualquer forma, a tendência dos preços internacionais é de queda. O Brasil tem o pré-sal para explorar, com grande quantidade de gás natural associado ao óleo, e também possui reservas de xisto de possível exploração. No futuro, isso poderá alavancar a indústria de nitrogenados. Os dados disponíveis da IFA (sobre 2010) ainda não registram o impacto do shale gas.

Química e Derivados, Ranking dos consumidores de fertilizantes
Ranking dos consumidores de fertilizantes

A comparação entre os rankings de produtores e consumidores mundiais de NPK (ver tabelas) permite verificar que o consumo é mais concentrado em poucos países. Isso se explica pelo fato de existirem vários países com disponibilidade de matérias-primas fundamentais. O Oriente Médio e a Rússia, por exemplo, têm muito gás natural barato disponível. O Canadá conta com jazidas abundantes de potássio, que são exploradas com competência. O Brasil tem mais facilidade para produzir fósforo e nitrogênio, pois conta com poucas ocorrências comerciais de potássio. Mas a lista de obstáculos à produção é grande.

O caso do ICMS é o mais emblemático das complicações para se produzir no Brasil. “Quando um fertilizante cruza a fronteira estadual, ele é taxado em média em 8,4% de ICMS sobre operações interestaduais, ou seja, se o produto importado for desembaraçado no estado de consumo, ele não será tributado”, informou Roquetti. Isso cria uma distorção que pune o fabricante nacional, pois a produção é concentrada em algumas unidades de alta escala.

Química e Derivados, Ranking dos produtores
Ranking dos produtores

A venda de fertilizantes sintéticos deve se manter aquecida, pois a população mundial cresce a cada ano e precisa de alimentos. “O Brasil é um dos poucos países que ainda tem terra de uso agrícola disponível, mas a chave para enfrentar o problema da fome mundial está no aumento da produtividade”, comentou Roquetti. Ele informou que, em 1992, a produtividade das 16 principais culturas do país era de 1,4 tonelada por hectare cultivado. Em 2010, esse indicador chegou a 15 toneladas por hectare. “Isso foi conseguido pela aplicação de um pacote tecnológico, que inclui sementes melhoradas, fertilizantes, defensivos, maquinário e práticas de manejo, e permitiu evitar o uso de 80 milhões de hectares adicionais”, explicou.

“Além disso, o Brasil é considerado o país que apresenta o uso mais equilibrado de fertilizantes, evitando os exageros que eram vistos na Europa e nos Estados Unidos, mas na quantidade que repõe os nutrientes retirados pelos cultivos”, disse Roquetti, com base em estudos do International Plant Nutrition Institute (IPNI).

Defensivos em boa fase – Os resultados do primeiro trimestre de 2013 animaram os produtores de defensivos agroquímicos.

Química e Derivados, Daher: aprovação lenta de moléculas retarda combate às pragas agrícolas
Daher: aprovação lenta de moléculas retarda combate às pragas agrícolas

“Entre janeiro e março, registramos um aumento de vendas de 22%, chegando a R$ 2,3 bilhões”, afirmou Eduardo Daher, diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).

Os inseticidas perderam um pouco de participação de mercado, caindo de 45% para 40%, na comparação com o mesmo trimestre de 2012. Enquanto isso, os herbicidas passaram de 34% para 36% das vendas, crescimento superado pelos fungicidas, de 15% para 19% do total.

Daher avalia que o desempenho excepcional do trimestre pode ser explicado por duas razões. A primeira se refere a um atraso nos cultivos de algumas regiões, explicado pelo clima. Isso teria retardado algumas aplicações de insumos, transferidas de 2012 para 2013. A outra explicação diz respeito à formação de hedge contra variações cambiais. “Os grandes produtores formaram estoques de insumos porque estão muito capitalizados e, como o seu produto é de exportação, temem eventuais mudanças na relação cambial, que seriam desfavoráveis a eles”, comentou.

Mesmo considerando essa antecipação de compras, Daher acredita que o bom desempenho nos primeiros meses do ano seja capaz de garantir os resultados do ano todo. “Tudo indica que a renda agrícola irá crescer no Brasil, a soja e o milho estavam com estoques mundiais baixos, os preços subiram e devem permanecer nesse patamar em 2013, mas em 2014 isso pode mudar”, alertou, chamando a atenção para os efeitos da crise mundial nos preços das commodities agrícolas.

A safra de grãos que está na fase de colheita é recorde, foi avaliada em 185 milhões de toneladas pela Conab. Com preços favoráveis, os produtores rurais investiram para aumentar a produtividade e, como resultado, seus rendimentos. Estatísticas do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) mostram que o setor movimentou US$ 9,7 bilhões de janeiro a dezembro de 2012, 14% acima dos US$ 8,5 bilhões do ano anterior. A relação cambial durante 2012 ficou perto de R$ 2,00 por dólar em boa parte do período, contra a média de R$ 1,60 a R$ 1,70 de 2011, impactando o resultado.

Química e Derivados, Brasil aplica defensivos com eficiência
Brasil aplica defensivos com eficiência

“Os agricultores se comportam de acordo com o mercado: quando as indicações de preço são ruins, eles reduzem a aplicação de fertilizantes e defensivos, mas quando a tendência é de alta, eles investem mais na produção”, comentou. Uma potência agrícola tropical como o Brasil é um prato cheio para os defensivos. Com terra e clima que permitem cultivos sucessivos, sem ter o inverno gelado dos produtores situados na zona temperada, o país também sofre com a maior infestação de pragas e fungos. Isso coloca o país como o campeão mundial de consumo de defensivos, em volume.

Daher comenta com cautela essa observação. “Realmente somos os maiores consumidores, mas também somos o país campeão no uso eficiente dos defensivos”, afirmou. O Brasil consumiu, em 2011, US$ 7,39 de defensivos por tonelada produzida de produtos agrícolas. O índice da China é de US$ 1,31/t; dos EUA, US$ 9,42; da Argentina, US$ 12,44; e da União Europeia, US$ 20,65. “A cada cem dólares de defensivos que aplicamos nas lavouras, obtemos 13 t, enquanto a França obtém 4 t e o Japão apenas uma tonelada.”

Embora o país seja líder agrícola e tenha bons indicadores de uso de fertilizantes e defensivos, ainda há muito a melhorar. Por não observar a necessidade de rotacionar cultivos ou, pelo menos, deixar o terreno vazio por um intervalo de tempo (a janela sanitária), algumas pragas e doenças apresentaram forte evolução, caso da ferrugem da soja e do “lagartão” (Helicoverpa) polivalente, que ataca vários cultivos. “Temos deficiências também na tecnologia de uso e aplicação, apesar dos esforços que as empresas vêm fazendo há anos para difundir conhecimento”, salientou. Ele também enfatizou a necessidade de alternar os princípios ativos usados, evitando a seleção de espécies resistentes, como é o caso de algumas ervas invasoras que já resistem ao glifosato – fato verificado no Brasil e na Argentina.

Química e Derivados, Ranking dos importadores
Ranking dos importadores

No caso dos defensivos, a questão das importações é semelhante à verificada nos fertilizantes. O Brasil é um grande consumidor, mas depende da importação de princípios ativos. Mais recentemente, a importação de produtos finais embalados começou a aparecer como alternativa para reduzir custos, colocando em risco até a atividade de formulação local. “Por depender de importação, as variações cambiais pesam no negócio; e como o preço da soja e de outros cultivos tem subido lá fora, um fenômeno compensou o outro”, considerou. Ele acredita que os produtores sentiram mais o peso dos defensivos nos custos pela necessidade de promover maior número de aplicações, especialmente de fungicidas para controlar a ferrugem da soja.

“Como não há investimentos na produção química, vamos continuar dependendo das importações de princípios ativos, embora tenhamos um mercado consumidor gigantesco”, disse Daher. A Andef reúne 13 companhias internacionais que tradicionalmente investem no desenvolvimento de novas moléculas agroquímicas, um trabalho lento e caro. O retorno desse investimento é obtido durante o período de proteção conferido pela patente, de vinte anos, quando explora com exclusividade a sua invenção.

Química e Derivados, Ranking dos exportadores
Ranking dos exportadores

No Brasil, o marco regulatório federal dos agrotóxicos (nomenclatura usada na norma) foi instituído pela Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002. Daher chama a atenção para a demora de 13 anos para regulamentar essa matéria tão importante. “Além disso, esse decreto prevê que a avaliação dos novos produtos pelos órgãos envolvidos seja feita em 120 dias, uma verdadeira piada”, disse. Atualmente, o prazo de liberação de novas moléculas agroquímicas é de 48 meses, pelo menos. “Em 2012 foi liberado apenas um produto, embora 15 estivessem na fila. Nessa marcha, para dar conta dos pedidos existentes, seriam consumidos espantosos 11,7 anos”, calculou.

Como esse período de espera pela liberação consome parte do tempo de proteção patentária, a recuperação do investimento em pesquisa e desenvolvimento se torna inviável. “Ninguém vai colocar uma fábrica onde não pode ter lucro, isso desanima até os pesquisadores nacionais”, alertou.

O processo de registro de moléculas é muito complexo no Brasil. Os pedidos precisam ser avaliados por três ministérios: da saúde (pela Anvisa), da agricultura e do meio ambiente (pelo Ibama). “Em vez de ser um único processo, na verdade são três, totalmente distintos, porque esses órgãos não se coordenam”, lamentou. “E, depois dessa maratona, ainda é preciso cadastrar cada produto nos vinte e sete estados.”

Daher ressalta que o setor não é contra o marco regulatório e entende que o país deve manter um sistema rígido de controle. Mas o sistema de registro precisa ser eficiente. “Nos Estados Unidos, o processo tem um guichê único; eles levam cerca de um ano para aprovar novas moléculas. Não dá para fazer isso em 120 dias, mas o Brasil poderia fazer essa avaliação em menos de dois anos, o que seria razoável”, considerou. Ele também comentou que o andamento dos processos é eficiente no Ministério da Agricultura e também no Ibama, considerado rigoroso nas análises, mas cumpridor dos prazos. Na Anvisa, porém, as dificuldades são grandes.

Os efeitos dessas dificuldades são percebidos no campo. “Estão surgindo algumas invasoras resistentes ao glifosato, algumas companhias têm produtos capazes de controlá-las, eles já estão até registrados na Argentina, mas estão na fila aqui no Brasil”, explicou. Isso resulta em prejuízo para os agricultores.

A entrada dos produtos agroquímicos genéricos não tumultuou o mercado. “A convivência é boa, houve uma redução de preços no primeiro momento, mas hoje todos entraram nos genéricos, mantendo os produtos de marca que ainda são referência para o mercado”, comentou.

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