Perfil Técnico Regional de Calçados e Componentes é o título da pesquisa realizada por dois dos principais laboratórios de controle de qualidade para calçados e couros do Sul do Brasil.
Com base em 74 ensaios cadastrados e 39 mil relatórios feitos a partir do ano 2000, o estudo revelou estatísticas desanimadoras com relação aos sapatos produzidos na região do Vale dos Sinos, como pífios 35,6% de índice de aprovação (64,4% de reprovação) para o item de resistência final de colagem.
Quando a inspeção chegou ao bico do pé, o índice de aceitação ficou em 39% para o direito e 46% para o esquerdo.
Foram 16 mil pares analisados pelo Centro Tecnológico do Calçado-Senai e pelo Centro Tecnológico do Calçado, do Couro e Afins (CTCCA), instituições com sede em Novo Hamburgo-RS.
Prossegue o relatório: “Observando os resultados da planta dos pés direito e esquerdo, verificamos que, nesse item, os calçados alcançaram um percentual de aprovação de 59% a 62%”.
De acordo com o documento, “observa-se que o nível da qualidade da colagem de solados nos calçados não está no nível, em nossa opinião, desejável.
Inútil um bom percentual de aprovação em relação à planta dos calçados ensaiados, se o bico, que é um ponto mais crítico, apresenta um percentual de aprovação de regular para baixo”.
No ensaio de fadiga, os resultados variaram em uma faixa de aprovação de 11% a 42%, tendo no ano de 2002, o pior desempenho.
E continua: “Neste ensaio avalia-se, visualmente, a colagem da sola ou da banda lateral do calçado, especialmente na região de flexão, bem como o aspecto do cabedal e, eventualmente, a resistência à flexão da sola.
Verificamos aqui um percentual de aprovação de 33% a 43%, que consideramos baixo e próximo dos anteriores (colagem e tiras), confirmando também os pareceres já emitidos”.
Na análise de solicitações contínuas, os pesquisadores constataram que os saltos apresentaram uma faixa de aprovação de 19% a 36%.
O trabalho realizado nos laboratórios das duas instituições com metodologias unificadas, calibragem de equipamentos equiparada e respeitando as diversas normas técnicas vigentes no país, denuncia ainda o descompasso da matéria-prima couro, cuja aprovação é de 100% em algumas aplicações e de 15% a 25% em outras.
No teste com o cabedal seco o nível de aprovação foi satisfatório, acima de 90%. Na modalidade úmido a performance ficou abaixo dos 40%.
Alguns itens serviram para elevar um pouco o moral do sapato gaúcho.
Quanto aos laminados, a aprovação é de praticamente 100% assim como as borrachas vulcanizadas.
A borracha termoplástica ficou com 61%. A palmilha de celulose, muito utilizada na indústria calçadista, se mostrou deficiente na resistência à flexão, com o pior desempenho entre todos os materiais analisados.
Sob a ação da água, nos itens de absorção e evaporação, os materiais para palmilha de montagem, em geral, “têm um ótimo percentual de aprovação, isto é, de 70% a 99%”.
Sinal de alerta – Conforme Fausto Girolla, do laboratório da Escola de Calçados-Senai/NH, um dos coordenadores da pesquisa, os problemas encontrados são graves.
Girolla e Carmen – emtidades querem apoiar melhoria da qualidade setorial.
“Isto não quer dizer que 60% ou 70% dos sapatos exportados ou vendidos no mercado interno descolem o solado ou o bico quando utilizados pelo consumidor”.
Em sua opinião, tudo indica que os fabricantes remeteram as amostras antes da comercialização dos lotes e corrigiram os problemas a tempo.
“Se o percentual de calçados exportados ou vendidos no mercado interno apresentassem os defeitos na mesma proporção do que ocorreu nos laboratórios a indústria calçadista estaria quebrada diante do volume de indenizações”, sugeriu Girolla. Para ele, “infelizmente na área calçadista não existe medicina preventiva apenas a corretiva”.
A coordenadora do núcleo de controle de qualidade do CTCCA, engenheira química Carmen Buffon, levantou algumas hipóteses para a ocorrência de defeitos na colagem de bicos e solados.
Segundo ela, os adesivos empregados no Brasil são da melhor qualidade, mas o problema acontece na hora da aplicação.
Uma das suposições é de que um mesmo modelo de calçado pode ser exportado para a Europa e África. No primeiro caso, é necessário produzir materiais de aderência à neve, e no segundo, um solado para resistir ao calor do deserto.
Nessas duas situações, deveriam empregar adesivos específicos. “Podem ter trocado o material do solado e mantido o mesmo adesivo”, imaginou Carmen Buffon.
Ela explicou a alta incidência de descolamentos também pela crescente substituição de muitos produtos à base de solventes por água.
“As máquinas não estão bem adequadas às novas formulações”, reconheceu.
Um terceiro fator para tentar justificar o problema com os adesivos é a alta incidência de fórmulas diferentes na etapa final dos calçados como as lacas, primers, fillers e ceras, ocasionando a contaminação dos produtos de colagem como decorrência da manipulação das fórmulas de maneira inadequada.
No entendimento da coordenadora, objetivo do estudo não foi condenar, mas melhorar a qualidade do calçado.
Todos os fabricantes que enfrentaram o desafio ficarão a par dos problemas detectados e a origem de cada defeito será exclusiva do dono da amostra.
“O sigilo é garantido e quem estiver disposto a superar os problemas irá contar com a consultoria dos dois centros de pesquisa”, garantiu Carmen Buffon.