Abiquim: Indústrias químicas investem em produção a partir de matérias-primas renováveis para aumentar a competitividade

Química e Derivados, Laboratório de Biotecnologia Industrial: pesquisa de moléculas a partir da biomassa
Laboratório de Biotecnologia Industrial: pesquisa de moléculas a partir da biomassa

Texto: Adriana Nakamura*

A indústria química brasileira passa por seu pior momento. Além da crise econômica, a elevação dos custos de produção no mercado interno, especialmente os ligados à energia (elétrica e gás natural), e das matérias-primas, bem como as deficiências logísticas e a alta carga tributária têm impactado o segmento de químicos de uso industrial, e as empresas nacionais não têm conseguido competir com suas congêneres localizadas em regiões com custos mais baixos. “A falta de competitividade e isonomia dos segmentos mais expostos ao mercado internacional é evidente e vem se acentuando nos últimos meses. A melhora da demanda, advinda da elevação do poder de compra da população brasileira nos últimos dez anos, não se refletiu em aumento da produção da indústria nacional, que está estagnada. As importações é que se beneficiaram”, lamenta Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

O registro do menor índice de utilização da capacidade instalada desde o início da série retrata a situação de baixa competitividade do setor perante os produtos importados: em 2014, a média desse índice foi de 79%, sendo que deveria estar entre 87% e 90%. No período de 1990 a 2012, conforme levantamento feito pela Abiquim, foram fechadas 1.710 unidades industriais e, consequentemente, 447 produtos deixaram de ser fabricados no país.

Nesse cenário, exemplos mostram que algumas empresas têm buscado soluções para o aumento da competitividade na inovação em biotecnologia. O assunto será aprofundado no 3º Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação, a ser realizado no Sheraton Rio Hotel & Resort, no Rio de Janeiro-RJ, de 14 a 16 de outubro, com o objetivo de abordar temas relativos a políticas públicas para inovação, incentivo ao desenvolvimento industrial, ampliação de tecnologias para química de renováveis, mudanças climáticas e tecnologias de baixo carbono.

Química e Derivados, Área de solventes da fábrica da Rhodia/Solvay, em Paulínia-SP
Área de solventes da fábrica da Rhodia/Solvay, em Paulínia-SP

Dentre os exemplos de empresas que optaram pelo uso da biotecnologia a fim de aumentar a competitividade está a Solvay, cujo diretor de Pesquisa e Inovação, Thomas Canova, participará do painel “Desafios no desenvolvimento de tecnologias emergentes”. A empresa desenvolveu em seu Centro de Pesquisas e Inovação, instalado dentro do complexo industrial de Paulínia-SP, uma linha de solventes oxigenados com base em glicerina, que é obtida como subproduto da produção de biodiesel. Caracterizados pela empresa como “solventes oxigenados sustentáveis”, são utilizados em mercados ligados a tintas, revestimentos, couro e madeira.

Na linha de produtos bioquímicos, a Solvay também mantém parceria com a Granbio, por meio da joint venture SGBio, para a futura de produção no Brasil de bio n-butanol derivado de biomassa, a ser utilizado como solvente para tintas e revestimentos e intermediário químico na fabricação de resinas.

O coordenador da Comissão de Tecnologia da Abiquim e gerente de Inovação da Braskem, Paulo Luiz de Andrade Coutinho, que será moderador do painel “Perspectivas tecnológicas para o desenvolvimento de químicos de renováveis” no 3º Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação lembra também que há três anos a Solvay produz na Tailândia epicloridrina (usada para a produção de resinas epóxi) também a partir de fonte renovável.

Segundo Coutinho, a epicloridrina, ordinariamente fabricada a partir do propeno (derivado do petróleo), quando feita com base na glicerina tem menor custo de produção e igual desempenho. De acordo com o coordenador da Comissão de Tecnologia da Abiquim, o mercado de epicloridrina no mundo é de 1,2 milhão de toneladas e a capacidade instalada para sua produção a partir do propeno é de 2 milhões de toneladas. “Mesmo com esse execedente [de 800 mil toneladas], a planta da Solvay teve sucesso imediato, porque o custo de produção era muito menor. O resultado foi a entrada de mais três plantas similares nesse mercado nos últimos dois anos. E, em menos de três anos, 300 mil toneladas do mercado de epicloridrina do mundo já foram substituídas pelo produto feito de glicerina. A evolução foi rápida porque foi um processo competitivo”, comenta Coutinho.

Química e Derivados, Planta de eteno verde da Braskem, feito a partir de matéria-prima renovável, em Triunfo-RS
Planta de eteno verde da Braskem, feito a partir de matéria-prima renovável, em Triunfo-RS

Outro exemplo é o 1,3-propanodiol, usado para fazer polímeros. Até por volta de 2008, ele também era produzido de propeno de origem petroquímica. A mudança veio quando a DuPont desenvolveu um processo para produzir 1,3-propanodiol via fermentação de açúcar. “Em 2011 foi fechada a última planta da DuPont de produção de 1,3-propanodiol via petroquímica”, conta o coordenador da Comissão de Tecnologia da Abiquim. Segundo Coutinho, além da DuPont, várias outras empresas estão implementando esse mesmo processo.

Ainda, para Paulo Coutinho, outro produto cuja produção deve crescer, por redução do custo de produção, é o ácido succínico, usado para produção de poliésteres, poliuretano, plastificantes, entre outros. Antes produzido por uma rota petroquímica de quatro etapas, hoje o ácido pode ser produzido diretamente pela fermentação do açúcar. “Isso barateia a produção de tal forma que um mercado que era de 40 mil toneladas por ano pode atingir até 1 milhão de toneladas no mesmo período, pois, com a redução do custo de produção, o produto começa a ganhar novas possibilidades de aplicação”, afirma.

O especialista explica que o custo de produção do ácido succínico via fermentação do açúcar cai devido à diminuição do número de etapas do processo. “A redução do número de etapas significa diminuição de capex [capital expenditure – em português, despesas de capital ou investimento em bens de capital], e de opex [operational expenditure – custo operacional]. Além de deixar de usar uma matéria-prima que não é renovável, a produção em menos etapas diminui o consumo de energia”, acrescenta Coutinho.

Com base nesses cases, o coordenador da Comissão de Tecnologia da Abiquim afirma que a tendência da indústria química é o desenvolvimento de novas ferramentas científicas e tecnológicas, principalmente na área de biotecnologia, a fim de permitir a produção de químicos a partir de matérias-primas renováveis de forma competitiva com os processos existentes hoje. “A biotecnologia tem um papel fundamental, pois permite a produção com rendimento superior, redução de uso de produtos secundários, e produtividade elevada. Além disso, na maior parte das vezes, quando se usa matéria-prima renovável para produzir um químico, as emissões de gases de efeito estufa também são reduzidas”, conclui Coutinho.

Soluções da Química para a mudança do clima

Esse é outro tema que será debatido no Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação. No dia 16 de outubro, o diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, apresentará o painel “Mudanças climáticas e tecnologias de baixo carbono”. O debate acontece no contexto da proximidade da 21ª Conferência do Clima (CoP-21), que será realizada em dezembro, em Paris, na França.

Nesse sentido, vale lembrar que a indústria química brasileira já vem fazendo seu dever de casa há anos, como mostram os dados publicados no relatório dos indicadores de desempenho do Programa Atuação Responsável® – iniciativa voluntária da indústria química mundial, gerida no Brasil pela Abiquim, destinada a demonstrar seu comprometimento na constante melhoria do desempenho em saúde, segurança, meio ambiente e sustentabilidade.

De acordo com o levantamento, as ações de gestão da indústria química resultaram em uma redução da intensidade de emissão de gases de efeito estufa em 32,6% nos processos químicos entre 2006 e 2013, sendo que o valor da intensidade das emissões foi reduzido de 542 kg de CO2 equivalente por tonelada de produto para 256 kg nesse mesmo período. Segundo o diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, esses números foram conquistados pela redução das emissões nos processos e pelo aumento da eficiência energética das fábricas, atualmente tão alta que um recente estudo conduzido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), encomendado pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, não identificou medidas de mitigação economicamente atrativas para o setor químico.

No entanto, na opinião de Jorge Soto, como a tecnologia continua a evoluir, será sempre possível fazer mais. “A indústria química é inovadora e a competição incentiva a busca por novas alternativas”, lembra. Estudo promovido pelo Conselho Internacional de Associações da Indústria Química (ICCA) elencou algumas possiblidades nesse sentido, por meio da catálise. No entanto, sob a visão do diretor da Braskem, o levantamento também mostra que são necessários incentivos para que essas alternativas que podem aumentar ainda mais a eficiência energética da indústria química sejam viabilizadas. “No Brasil há possibilidades de redução de emissões na produção de energia térmica por meio do uso da biomassa, mas, mais uma vez, essa é uma fonte mais cara do que a energia fóssil. O uso dessa alternativa somente será possível com incentivos”, alega.
Embora já não haja muito espaço para reduzir suas emissões em curto prazo, é importante lembrar que a indústria química é provedora de soluções para a diminuição das emissões gasosas de outras indústrias, por viabilizar a fabricação de peças mais leves para automóveis e de aviões, hélices de turbinas eólicas, além de embalagens também mais leves, que reduzem as emissões no transporte das mercadorias e o desgaste dos veículos, cujas peças devem ter, assim, maior durabilidade. Estudo de 2009 realizado pela consultoria McKinsey mostrou que, para cada tonelada de gases de efeito estufa emitida pela indústria química, são evitadas as emissões de 2,1 a 2,6 toneladas pelas demais indústrias da cadeia.

Além da redução das emissões pela indústria química e da fabricação de insumos para produtos que geram reduções ao longo da cadeia industrial, há ainda um terceiro ponto em que o setor atua como solução para a mitigação da mudança do clima: processos inovadores podem participar da retirada de CO2 da atmosfera. O CCS (Carbon Capture and Storage – Captura e Armazenamento de Carbono) e o CCU (Carbon Capture and Utilization – Captura e Uso do Carbono) podem utilizar processos químicos, por exemplo, para separar o CO2 de correntes ricas nesse gás. Segundo Soto, no Brasil já foi desenvolvido um processo bioquímico para isso. “A produção do polietileno a partir de etanol de cana-de-açúcar captura 2,15 toneladas de CO2 equivalentes para cada tonelada de polietileno produzido. A vantagem desse processo em relação ao CCS é clara, pois enquanto o polietileno é um produto que tem utilidade para a sociedade, o CCS simplesmente armazena o CO2 no subsolo”, observa.

Para o especialista, o principal papel da indústria química é apresentar propostas tanto para a mitigação como para a adaptação às mudanças climáticas. “Tenho certeza que nosso setor pode oferecer essas soluções com os produtos já desenvolvidos ou com os produtos que seguramente iremos desenvolver. A Braskem produz polietileno de origem renovável e já investiu na sua primeira fábrica. Também já concluiu o desenvolvimento de uma rota tecnológica para a produção do polipropileno de origem renovável e continua a investir no desenvolvimento de novos produtos, como o butadieno e o isopreno de origens renováveis”, afirma Soto.

A gerente de Inovação e Sustentabilidade da Abiquim, Mariana Doria, que está coordenando a realização do Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação sob demanda da Comissão de Tecnologia da Abiquim, compartilha a mesma opinião. “Em tempos de CoP-21, o Brasil deve considerar que o investimento em inovação na química, especialmente na biotecnologia, pode trazer grandes benefícios para o atendimento aos compromissos que o país pretende assumir com relação às mudanças climáticas. Nesse sentido, a indústria química poderá oferecer grande contribuição”, afirma a gerente da Abiquim. Para Mariana, a biotecnologia industrial irá fomentar a inovação na química neste século e, especificamente no Brasil, as oportunidades que a bioeconomia traz demonstram as vantagens competitivas que o País poderá aproveitar se houver investimentos em ciência, tecnologia e inovação em biotecnologia.

De acordo com a definição da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), “bioeconomia é uma economia sustentável, que reúne todos os setores da economia que utilizam recursos biológicos (seres vivos), e que se destina a oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para os grandes desafios sociais, como a crise econômica, as mudanças climáticas, substituição de recursos fósseis, segurança alimentar e saúde da população”. Essa atividade econômica, para a Fiesp, “é dependente de pesquisa em biociências, tecnologias de informação, robótica e materiais, e visa transformar o conhecimento e novas tecnologias em inovação para indústria e sociedade”.

Para o secretário de Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Jailson de Andrade, a biotecnologia é a grande ferramenta da bioeconomia. Alinhado à visão da gerente da Abiquim sobre a importância do investimento nesse setor, o secretário Andrade, que em 15 de outubro será um dos debatedores no painel “O panorama 2015 das políticas públicas de incentivo à inovação e as perspectivas para 2016” do 3º Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação, afirma que a biotecnologia tem sido um foco prioritário no MCTI e que um dos pontos de maior ênfase do ministério é a potencialização da produção de biomassa no Brasil. “A indústria química é que vai transformar o novo conhecimento gerado pela biotecnologia em benefícios para a população e riquezas para o País, por meio dos bens de consumo. O objetivo agora é integrar os setores de pesquisa e inovação ligados ao governo, ao meio acadêmico e ao setor industrial, pois essa parceria será o grande vetor para o salto do país, não só na ciência, mas também na agregação de valor à nossa matéria-prima. A articulação entre esses setores é a chave para transformar inteligência em riqueza para o Brasil”, acredita o secretário.
Alinhado ao MCTI, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) tem desenvolvido programas como o “Innovate in Brazil”, desenvolvido por meio de uma parceria entre a Secretaria de Inovação do MDIC e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos), e realizado de forma coordenada com outros órgãos ligados à inovação, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agências de desenvolvimento estaduais, além do próprio MCTI. O objetivo é atrair centros e projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) de corporações internacionais. Na opinião do secretário de Inovação do MDIC, Marcos Vinícius de Souza, que participará do Seminário Abiquim de Tecnologia e Inovação, no mesmo painel do secretário Jailson de Andrade, “diante de uma realidade altamente competitiva e globalizada, investimentos em PD&I são ferramentas indispensáveis ao sucesso de empresas e do País”.

No entanto, o coordenador da Comissão de Tecnologia e gerente de Inovação da Braskem, Paulo Coutinho, alega que, devido aos entraves burocráticos, a pesquisa no Brasil é mais cara e mais lenta do que em países mais avançados. De acordo com Coutinho, um levantamento encomendado pela Braskem verificou que a pesquisa no Brasil demora quatro vezes mais e custa o dobro do que lá fora. Com relação a isso, o secretário Jailson de Andrade afirmou ter havido um grande avanço no ano passado, com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), pelo Governo Federal. “A Embrapii está trabalhando a articulação entre laboratórios acadêmicos e empresas, e a perspectiva é de que seu sucesso encurte o caminho da PD&I e diminua seus custos”, afirmou o secretário do MCTI.

*Adriana Silva Nakamura é jornalista e assessora de comunicação da Abiquim

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