Tintas: Sistema tintométrico das tintas imobiliárias chegou há 25 anos

Há exatos 25 anos, a indústria brasileira de tintas decorativas imobiliárias apresentou os sistemas tintométricos (as tais mix machines) para as cadeias de varejo. As linhas para repintura automotiva já contavam com essa opção um ano antes, mas são produtos e estratégias de mercado diferentes, como explicam os pioneiros do conceito no país.
“Apresentamos o sistema tintométrico para as tintas imobiliárias brasileiras em 1992, durante a Feira da Habitação, Fehab”, ressaltou o consultor Washigton Yamaga, na época diretor comercial da Akzo, detentora das marcas Wanda e Ypiranga. A tecnologia já era usada no exterior e o Brasil vivia um período de modernização acelerada, iniciada pela abertura comercial promovida pelo governo Collor de Mello. “A Ypiranga e a Coral eram, respectivamente, a terceira e a segunda força do mercado de tintas imobiliárias, perdendo para a líder Suvinil”, comentou. A intenção era melhorar a posição nas vendas das tintas para paredes (látex), pois a Coral tinha boa presença nos esmaltes e a Ypiranga nos vernizes. “Apostamos que a inovação nos levaria a dar um salto à frente da concorrência, permitindo formular tintas de alta qualidade com uma paleta muito ampla de cores, até então inacessível aos consumidores.”
A Ypiranga apresentou o conceito na Fehab, mas quem primeiro levou o sistema para a rede de lojas foi a Coral, como explicou o consultor Francisco Zoltán Rácz, na época líder de desenvolvimento da tecnologia da Akzo. “Nós demoramos a apresentar um sistema comercial, enquanto a Coral, que também estava desenvolvendo a tecnologia, entrou forte no varejo”, salientou Rácz. O sistema não depende apenas do equipamento de dosagem e mistura e das bases de tintas, mas precisa ter estoques, organização comercial, treinamento e marketing adequado.
A resposta dos concorrentes demorou um ano, no caso da Sherwin-Willims, e dois anos, para a Basf/Suvinil. “A Sherwin já contava com esse sistema implantado nos Estados Unidos, por isso respondeu mais rapidamente”, disse Rácz. Na época, como salientou, máquinas computadorizadas eram novidades muito caras. “A parte eletrônica, o computador, representava um investimento muito alto, mesmo no exterior, e no Brasil tínhamos impostos de importação elevados”, apontou. Um equipamento controlado por computador podia custar de US$ 5 mil a US$ 7 mil, valor hoje estimado em US$ 2 mil. A manutenção desses conjuntos também rendeu algumas dores de cabeça, hoje totalmente superadas.
Sistemas manuais similares já existiam, mas ofereciam recursos limitados. “O usuário precisava ter as bases e os colorantes, mas também um livro de fórmulas para acertar a cor e expertise na operação”, comentou.
A introdução dos sistemas tintométricos na repintura automotiva foi diferente. Yamaga comentou que a Akzo/Wanda introduziu no Brasil esses produtos em 1991, com boa receptividade. “Era uma resposta à globalização dos automóveis, as oficinas precisavam ter as cores certas para reparar as Mercedes, os Audis e outros carros importados que começaram a entrar no país depois do Collor”, comentou. Como explicou, quem define a cor do carro é a montadora e a repintura precisa ser feita com a cor idêntica à original. “Esse é o valor agregado no caso: reparo rápido e preciso.” Era uma necessidade urgente de mercado e, por isso, foi rapidamente adotada.
No caso das tintas imobiliárias, o foco era diferente. “O conceito era oferecer mais opções de cores para os clientes dentro dos pontos de venda; não era preciso esperar que a fábrica produzisse um lote especial, mas o cliente levaria na hora a cor desejada”, ressaltou Yamaga. Nesse caso, era preciso convencer toda a cadeia comercial sobre as vantagens da inovação. E isso demorou a acontecer.
Ainda hoje, a venda de tintas misturadas nos pontos de vendas no Brasil representa perto de 15% do total, uma participação muito abaixo da projetada há 25 anos. No lançamento, além da oferta ampliada de cores, dois outros argumentos foram apontados para alavancar o sistema: a redução de inventário nas lojas de tintas (bastaria ter as bases, as demais cores seriam misturadas na hora) e o aumento da produtividade na fabricação das tintas (que poderia se restringir às bases). “Porém, em 1992, a rapidez no atendimento aos clientes não era um valor percebido pelo mercado, mas era uma oportunidade real”, comentou.
Rácz comentou que a participação das tintas formuladas nas lojas fica entre 80% e 90% nos Estados Unidos e na Europa. “No Chile, por exemplo, quase não se vende cor pronta, só o branco, as demais saem de sistemas tintométricos”, disse Rácz.
A maior dificuldade do mercado brasileiro está na baixa percepção da qualidade dos produtos e da sua durabilidade. “O preço não deveria ser determinante na venda, mas o poder de cobertura e a durabilidade”, afirmou Rácz. Os sistemas tintométricos usam entre 14 e 16 pigmentos universais concentrados, de altíssima qualidade, para formular milhares de cores diferentes com excelente reprodutibilidade. “As bases também precisam ser muito bem produzidas, com alta qualidade, para que se alcance o resultado desejado”, explicou. Dessa forma, a tinta formulada na loja é um produto superior em relação às tintas prontas, fabricadas em alta escala e com atenção especial ao custo final. “Está escrito nas latas: tem rendimento maior, dura mais, mas esses atributos são pouco valorizados”, lamentou.
Os consultores informaram que, segundo dados dos fabricantes dos equipamentos, há 15 mil desses sistemas em operação no Brasil, apenas na linha imobiliária, ou seja, praticamente todas as lojas especializadas em tintas possuem pelo menos um. “A mão-de-obra no ponto de venda também precisa evoluir para orientar melhor os consumidores, esse também é um fator limitante”, considerou Yamaga.
No entender dos consultores, sócios da Rácz, Yamaga & Associates, há uma demanda reprimida no segmento de tintas imobiliárias decorativas, explicada pela redução do poder aquisitivo da população e da baixa confiança do consumidor quanto ao futuro da economia. “Quando houver uma melhora significativa desses indicadores, a venda de tintas vai crescer e incentivar a evolução qualitativa do mercado”, afirmou Yamaga.
As tintas formuladas nos pontos de venda se beneficiarão do novo ambiente de negócios, agregando mais opções tecnológicas. “Já existem instrumentos muito bons para leitura de cores, com softwares ajustados aos sistemas, com isso, uma cliente pode mandar fazer uma tinta com a cor idêntica à da sua blusa ou bolsa, por exemplo”, comentou Rácz.
Ambos recomendam à indústria apostar no aumento do valor agregado aos produtos, pois o volume total previsto para ser vendido em 2021 ainda ficará abaixo do comercializado em 2013. Dessa forma, como os investimentos em equipamentos já foram feitos, é o momento para reforçar as vendas de tintas por meio dos sistemas tintométricos.
Aliás, Rácz aponta que o mesmo conceito está sendo aplicado internamente nas indústrias para a fabricação de cores prontas com elevado grau de automação. “O conceito é o mesmo, mas o tamanho dos equipamentos é muito maior”, explicou. “É a geração 4.0 da indústria de tintas.”
Mercado em adaptação – Apesar dos estrepitosos movimentos de fusões e aquisições no setor de tintas, os consultores apontam que o mercado não está em ritmo de concentração acelerada. “As três maiores fabricantes de titnas do mundo detém 25% do mercado global há 15 anos, isso não mudou”, comentou Yamaga. No Brasil, há 20 anos, as seis maiores companhias chegaram a dominar quase 75% do mercado local, mas esse percentual caiu para 45%. “Os fabricantes de médio porte cresceram muito”, afirmou. “A indústria opera sob forte pressão para gerar lucros no curto prazo, isso nem sempre é positivo”, avaliou.
Rácz e Yamaga preveem um aumento de vendas de tintas no Brasil de 2,2% em 2017, em comparação com 2016. As exportações de automóveis explicam a tendência de melhoria dos resultados do setor. A venda de tintas imobiliárias (com a maior participação volumétrica do setor) deve crescer apenas 1% no mesmo período. O crescimento apontado é animador, pois 2016 registrou queda de 6,8% em volume de vendas.
Apesar da boa perspectiva de negócios, os consultores apontam que o consumo per capita de tintas decorativas ainda é baixo no Brasil, próxima de 6,1 litros por habitante/ano. O melhor resultado do segmento foi obtido em 2013, passando de 7,0 l/hab/ano. “Na melhor das situações projetadas, só voltaremos a esse consumo per capita depois de 2021”, afirmou Yamaga.
As tintas de performance (incluindo automotivas) devem apresentar a partir deste ano um crescimento anual médio de 5,1%. Com isso, o volume previsto para vendas em 2021 já superará o alcançado em 2013, este e 463 milhões de litros. Considerando todos os segmentos, a venda total de tintas no Brasil deve retomar em 2020 o patamar alcançado em 2013, quando foram vendidos mais de 1,9 bilhão de litros, como esperam os consultores.